terça-feira, 25 de outubro de 2011

11. EDITORIAIS, ENTREVISTAS, REPORTAGENS, etc.

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Outros Chávez virão

Seu exemplo e coerência seguirão animando os lutadores populares em todo o mundo e incomodando os nossos inimigos 

   

Em 13/03/2013 -     Editorial da edição 524 do Jornal BRASIL DE FATO 

Guiorgui Plekhanov (1856 – 1918) nos deixou a obra clássica O Papel do Indivíduo na História, onde enfrenta um dilema fundamental. Se para a concepção materialista da história “o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual”, se não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência, qual é, então, o papel do indivíduo na história?
Em seu esforço de responder esta questão há uma passagem em que afirma que “o grande homem é grande não porque suas particularidades individuais imprimam uma fisionomia individual aos acontecimentos históricos, mas porque é dotado de particularidades que o tornam o indivíduo mais capaz de servir às grandes necessidades sociais de sua época. É precisamente um iniciador, porque vê mais longe que os outros e deseja mais fortemente que os outros”.
A década de 1990 inaugurou um período extremamente difícil para a classe trabalhadora em todo o mundo. As consequências do fim da União Soviética e das demais experiências de transição socialista no abalo do imaginário da transformação social somente são comparáveis com os impactos que a própria Revolução Russa causou no sentido de colocar a revolução como uma possibilidade concreta para milhões em todo o mundo. Anos difíceis em que o nosso continente assiste a escalada de governos que seguem a mesma receita: privatizações, reduções de direitos, perda de soberania. É neste contexto em que emerge o papel deste indivíduo na história. Hugo Chávez Frias.
O ano de 1989 produziu o chamado “Caracazo”, uma surpreendente explosão social espontânea contra o pacote de medidas neoliberais do presidente Carlos Andrés Perez. A rebelião, sufocada pela falta de organização, funciona como um catalisador que acelera os planos do clandestino Movimento Bolivariano Revolucionário. Quando a ofensiva neoliberal mostrava toda a sua força em nosso continente no ano de 1992, o tenente coronel Hugo Chávez dirige um levante que coloca a questão da conquista do poder. Cercados e sem o respaldo popular que esperavam, Chávez propõe utilizar uma cadeia de TV e rádio para desmobilizar os que haviam aderido em regiões do interior. E nestes famosos um minuto e cinquenta e oitos segundos, assumindo a responsabilidade da ação e explicando ao povo seus motivos se converterá numa forte esperança do imaginário coletivo, transformando uma derrota militar num exemplo pedagógico.
E mais uma vez, a unidade, as massas e as armas são os ingredientes que se combinam para o avanço de um processo revolucionário.
Desde a primeira vitória em 1999, ganhou 15 dos 16 embates eleitorais ocorridos na Venezuela.
As sucessivas vitórias eleitorais e o enfrentamento do golpe em 2002 possibilitam o avanço de mudanças estruturais e a retomada de um horizonte socialista, confirmando, no século 21, o ensinamento de que em nosso continente não se pode atingir o socialismo senão pela via da revolução democrática anti-imperialista, mas tampouco se pode consumar a revolução democrática anti-imperialista sem atingir o socialismo.
Os resultados são impressionantes e calam até mesmo os setores mais reacionários. A taxa de mortalidade infantil passou de 19,1 a cada mil, em 1999, para 10 a cada mil em 2012, ou seja, uma redução de 49%. Enquanto a expectativa de vida passou de 72,2 anos em 1999 para 74,3 anos em 2011.
Em sua genialidade de dirigente político, sempre ligado ao povo, Chávez demonstrou compreender que a identidade é a energia estruturante fundamental de uma construção humana ao resgatar e assumir que o projeto popular que apresentou é a continuidade do libertador Simón Bolívar. Seguindo a inspiração de Bolívar, Hugo Chávez apresentou a Venezuela à América Latina. Liderou a vitoriosa luta contra a Alca, não por ser contra a integração, mas por ser contra a servidão. E com essa rebeldia, propôs uma Alternativa Bolivariana para as Américas. Não descansou enquanto nosso povo e suas lideranças progressistas oriundas da luta antineoliberal como ele se unissem, seja através da Unasul ou da Celac, fortalecendo o imenso sentimento de unidade dos povos que sua liderança irradiou a cada ponto de nosso hemisfério.
Consciente do papel pedagógico de um dirigente revolucionário, em cada oportunidade ou aparição pública sabia aproveitar o momento para identificar os problemas, pautar os desafios e propagar ideias. Sempre como um incansável organizador, investindo energias na formação política da juventude, nas organizações populares e na construção do Partido Socialista Unifi cado da Venezuela (Psuv). Sabia, claramente, a importância da construção de organizações coletivas. E dedicou-se à tarefa da organização popular.
Exatamente por tudo isso, a Revolução Bolivariana prosseguirá apesar de sua morte, para a frustração de seus inimigos.
Seu exemplo e coerência seguirão animando os lutadores populares em todo o mundo e incomodando os nossos inimigos. Porque uma coisa é certa: da mesma forma que os rios, por mais tortuosos que sejam seus caminhos, correm sempre para uma determinada direção, os povos, por mais peculiar que seja o trajeto de seu desenvolvimento histórico, não se afastam de seu curso. E para o desespero dos privilegiados que se animam com a morte de Hugo Chávez, saibam que outros Chávez virão. E serão milhões.




Publicado no PATRIA LATINA - PRAVDA\Russia - REDE DEMOCRÁTICA e outros.

Brasilienses saem as ruas em passeata de apoio
ao Presidente Assad  e repudiam intervenção
 militar dos EUA e da OTAN na Síria.


          Por Solange Coelho * INTERPRESS – BSB-DF-BR. 19\03.2012.

Com a participação de aproximadamente (500) quinhentos manifestantes e ativistas dos movimentos sociais de Brasília e da comunidade Síria no Distrito Federal, diversas organizações populares e entidades sociais, sindicais, comunitárias e estudantis promoveram uma marcha neste domingo, 18, no eixão norte na Capital da República, contra a intervenção militar dos EUA na Síria e de apoio ás reformas do Presidente Bashar Assad.
Diversas entidades populares e partidos políticos estiveram presente a manifestação e promoveram debates sobre a situação na Síria. Nos discursos das lideranças foi denunciado a manipulação da mídia que além de omitir as verdadeiras intenções dos EUA em quere promover mais uma guerra contra a humanidade é pano de fundo para outras atividades como o contrabando de armas promovidos pelas empresas norte americanas, francesas e inglesas.
Dentre os manifestantes presentes diversos políticos e intelectuais, lideranças populares e ativistas dos direitos humanos se destacaram pelos pronunciamentos e opiniões emitidas em seus discursos.
O Deputado Raad Massou,do PPL-DF, sírio de nascimento e brasileiro naturalizado, além de ter discursado defendendo o direito dos próprios sírios decidirem seus problemas entre eles próprios, sem interferência estrangeira, manifestou seu repúdio a qualquer tentativa de intervenção militar de potencias estrangeiras na Síria.
O Jornalista Beto Almeida, Diretor da Telesur no Brasil e que recebeu recentemente a mais alta condecoração do governo cubano por seus serviços prestada a Paz, a Humanidade e o apoio ao povo e a Revolução Cubana afirmou que: “essa manifestação mostra o apoio do povo brasileiro em defesa da Paz e da Solidariedade Internacional. Contra o imperialismo norte americano que só sofrimento tem trazido a humanidade. E que após terem destruído a Líbia, o Iraque e o Afeganistão agora querem destruir a Síria. E de que o povo brasileiro estar irmanado com o povo sírio na defesa das reformas realizadas pelo Presidente Bashar al Assad e juntos conquistarão a paz tão esperada pelo povo sírio”.
O advogado e ativista pela Paz Mundial e os Direitos Humanos, Acilino Ribeiro, Coordenador Nacional do MDD, Movimento Democracia Direta foi contundente e afirmou que: “ A luta pela Paz se inicia com pequenas manifestações como esta com 500 manifestantes e em pouco tempo seremos 500 milhões em todo o mundo, contra o terrorismo de estado, o terrorismo midiático e o terrorismo policial militar promovido pelos maiores terroristas da história da humanidade que é o Império estadunidense.”.
Mais adiante, Acilino Ribeiro, um ex-guerrilheiro contra a ditadura militar no Brasil, disse ainda que: “ dentre outros focos, essa tentativa de intervenção das potencias imperialistas , como EUA, Inglaterra e França, acontece porque além de querem dominar as riquezas naturais da Síria, como seu petróleo, querem mudar o foco das rebeliões árabes como as que estão acontecendo na Arábia Saudita e no Barhein, onde milhões de pessoas se manifestam para derrubar as duas ditaduras mais sanguinárias e cruéis do Oriente Médio. E que outro foco é a tentativa do imperialismo e do sionismo de isolarem o Irã, que tem o apoio do povo e do governo sírio para continuar sua luta pela paz e contra a guerra que os EUA querem promover, assim como também quebrar a unidade de apoio que o Presidente Bashar Al Assad dá ao povo e a Causa Palestina..
Acilino Ribeiro e Beto Almeida concluíram suas opiniões manifestando o apoio dos movimentos sociais presentes ao governo sírio e disse que assim como estas manifestações de apoio ao Presidente continuarão Assad, outras virão pelo fim das ditaduras apoiadas pelos EUA como as monarquias nazi-fascistas do Barhein da Arábia Saudita que em breve cairão.
Além de diversas lideranças e dirigentes de movimentos sociais estiveram presentes também representantes de alguns partidos políticos, tendo se destacado o grande número de militantes do PPL, Partido Pátria Livre, que contou além do Deputado Raad Massou, com diversos dirigentes, dentre eles o Presidente Regional do PPL-DF, Roberto Lemos e Vitor Abreu, que manifestaram o apoio do Partido a Paz na Síria e o apoio a luta do Presidente Assad e do povo sírio contra o imperialismo. Roberto Lemos considerou a passeata bastante representativa e parabenizou a militância do PPL que esteve presente em massa ao ato.
A Comunidade Sírio-libanesa e palestina também compareceu em peso e manifestou se apoio a luta contra a presença norte americana e uma possível guerra contra o povo sírio. E que essas manifestações se espalharão por todo o Brasil e serão promovidos tanto pelas comunidades sírias como de toda o povo árabe contra os EUA.
Além do PPL, com um grande número de militantes estiveram presente também a manifestação simpatizantes de partidos como o PSB e do PDT, militantes das Centrais Sindicais, professores da UNIPOP BRASIL, Universidade de Políticas do Movimento Popular, da CGTB, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil e outras que manifestaram apoio a luta do povo sírio e ao Presidente Assad contra o imperialismo, e também estudantes, líderes comunitários e a comunidade Síria de Anápolis e de Goiânia.
Mesmo com todo o boicote empreendido pela mídia empresarial e financiada pelos EUA e a OTAN que financiam uma guerra midiática contra a Síria, estavam presente jornalistas e meios de comunicação independentes que cobriram a manifestação. Lá estava as TELESUR, a TV Cidade Livre de Brasília, o Jornal Hora do Povo e o Revolução Socialista e Rádios Comunitárias, que além de cobrirem enviaram o material para todo o país e alguns países que pediram imagens e fotos.

Texto: / Postado em 20/03/2012 ás 14:37


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Tribunal Penal da História é criado no Fórum Social em Porto Alegre com respaldo da Assembléia Mundial dos Movimentos Sociais

Por KATHARINA GARCIA e ZÓBIA SKARTEZZINI.
 INTERPRESS –INTERPRENSA – AGNOT. MUNDO- POA|RGS|BR 29.01.12|21hs. Encerrou-se neste domingo, 29, o Fórum Social Temático, FST\2012, que teve aproximadamente 50 mil participantes e conseguiu cumprir uma agenda preparatória para a Cúpula dos Povos e deliberar sobre diversos outros temas tanto ligado a Rio+20 como outros de caráter político e antiimperialista. Segundo a avaliação de Celso Woyciechowski, membro do Comitê Organizador do Fórum Social Temático (FST), em entrevista a Agência Brasil e que fez um balanço dos resultados de uma semana de debates, “as articulações feitas em Porto Alegre servirão de base para uma plataforma de propostas que os movimentos sociais vão apresentar como alternativas ao que será negociado oficialmente pelos governos na conferência do Rio. A base é a crítica à chamada economia verde que, segundo as organizações não governamentais (ONGs), pode acabar apenas repetindo o modelo capitalista sob um rótulo de correção ecológica. Diversos outros temas foram amplamente debatidas no mais democrático clima de diversidade e aprovadas as mais variadas propostas políticas, em sua maioria com temas ligados a Educação, Meio Ambiente e Direitos Humanos.
O Professor e Sociólogo português Boaventura de Sousa Santos debateu a idéia de criação e  fortalecimento da Universidade Popular, uma proposta alternativa ao ensino elitista e as universidades pública e privadas. Ela tem um novo foco, voltado para a autogestão e a emancipação humana. Muito aplaudido na defesa da proposta, Boaventura apresentou uma sugestão de modelo, bem democrático, que deve ser aperfeiçoado nos debates do cotidiano e fundamentado numa Carta de Princípios que ainda este ano deve ser aprovado pelos movimentos sociais internacionais. Diversas entidades e organizações populares brasileiras como o MST, IPF, MDD, UNIPOP BRASIL, UNE, CONAM  e  centrais sindicais  já trabalham esse tema e manifestaram apoio a iniciativa de Boaventura, considerado um dos mais proeminentes participantes do evento.
O Coordenador Nacional do MST, economista João Pedro Stédile fez o pronunciamento mais aplaudido do Fórum ao falar na Assembléia Mundial dos Movimentos Sociais. Ele fez uma analise da conjuntura política, econômica e militar internacional. Criticou as grandes potencias e fez uma profunda analise das guerras atuais, desenvolvidas pelo imperialismo, conclamando os movimentos sociais de todo o mundo a lutarem pela Paz Mundial e a defesa do planeta.
Ainda na Assembléia Mundial dos Movimentos Sociais, ponto alto do Fórum, falou também o advogado Acilino Ribeiro, Coordenador Nacional do MDD, Movimento Democracia Direta, que apresentou e defendeu a mais polêmica proposta do FST. Acilino propôs na Assembléia a criação do Tribunal Penal da História, TPH, que mesmo com caráter apenas moral vai julgar “criminosos de guerra como Barack Obama, Nicholas Sarkozy, David Cameron e outros terroristas que tenham praticados crimes contra a humanidade, assim como organizações criminosas como a OTAN, a CIA e a KU, KLUX, KLAN e que condenadas serão colocadas num Index da História para toda eternidade”, afirmou.
Segundo Acilino Ribeiro, a idéia do TPH nasceu após as ações mais recentes do imperialismo estadunidense e a prática do terrorismo de Estado contra os povos e da necessidade de se fortalecer a luta para levar os EUA e seus aliados terroristas aos tribunais internacionais por crimes de guerra. Conforme declarou, “os EUA querem levar todo e qualquer cidadão, governo ou Estado que lhe contrarie os interesses ao TPI, Tribunal Penal Internacional, que é apenas um órgão para legalizar as ações terroristas do imperialismo e seu braço armado para a prática do terrorismo que é a OTAN, mas não aceita ser julgado pelos milhares de crimes que vem cometendo ao longo deste século”, afirmou.       
Mais adiante diz: “Por esta e outras razões decidimos na sexta feira, 27, 115 entidades sociais e organizações populares de 25 países, criar o TPH, que terá regras própria de funcionamento e será um órgão dos movimentos sociais e da sociedade civil mundial e da humanidade para julgar e condenar moralmente quem
cometer crimes contra os Direitos Humanos, a Paz Mundial, o Meio Ambiente e a Democracia.”E os EUA é quem mais cometes esses crimes”, declarou.
A estruturação e funcionamento do TPH estão a cargo de uma Grupo Internacional de Juristas que elaborará uma proposta e a levará ao próximo FSM como também o nome de diversos terroristas e organizações criminosas para já serem julgados. Tudo após um criterioso processo de investigação e pré-indiciamento político-juridico-popular, afirma Júlie Mary Delgado, espanhola e uma das advogadas da Comissão.  O Tribunal se reunirá mensalmente para avaliar as denuncias e provas contra o capitalismo, o imperialismo e o terrorismo e apresentará propostas de julgamento que serão levados e sempre julgados nos períodos de realização dos Fóruns Mundiais quando serão propostos indiciamentos jurídicos durante a Sessão do Tribunal e colocado nas Redes Sociais para divulgação e permanente circulação da noticia em todo o mundo. O foco dos julgamentos será principalmente o terrorismo de Estado e o terrorismo Midiático, praticado por governos e a Mídia subsidiada. Empresas privadas como a Blackwater, a Monsanto e outras que já cometeram diversos crimes contra a humanidade também poderão ser levados ao Tribunal.
Simbolicamente o TPH fez sua primeira Sessão no dia 27 de fevereiro, numa Plenária Internacional onde foi instalado publicamente e fez seu primeiro ato julgando a quem considerou pela própria história da humanidade como os cinco maiores terroristas e as cinco maiores organizações criminosas que praticaram crimes contra a humanidade. Estas foram assim selecionadas: Os cinco maiores criminosos da História, até o momento, numa lista que aumentará  cada anos após os julgamentos e condenados á “Prisão Perpétua da História” são: 1. Nero, Imperador de Roma; 2. Hitler, Chanceler da Alemanha; 3. Henry Trumam,; Presidente dos EUA; George W. Bush; Presidente dos EUA, e ainda  e o Inquisidor Geral da Inquisão espanhola, Tomaz de Torquemada. Quanto as organizações criminosas que cometeram  crimes de terrorismo contra a humanidade e foram declaradas como tal são: 1. a Ku, Klux, Klan; 2. a CIA, Agencia Central de Inteligência, que é o Serviço Secreto dos EUA; e a OTAN, pelos crimes que vem cometendo desde a invasão e os bombardeios da Yugoslávia, Kosovo, Afeganistão e recentemente da Líbia. Outras duas instituições consideradas criminosas e terroristas foram a Inquisão Católica e o Marchatismo, campanha de perseguição aos livres pensadores e revolucionários norte americanos nos anos de 1940 a inicio dos anos 60. A seleção foi feita numa lista de cinqüenta e seis nomes apresentados pelas entidades presentes á Primeira Plenária Internacional dos Povos da Terra, em Porto Alegre, dia 27 de janeiro, que aprovou por unanimidade e posteriormente encaminhou e conseguiu aprovar a proposta na Assembléia Mundial dos Movimentos Sociais, no dia 28.
Outros pontos que chamaram a atenção dos participantes e marcou como atividades autogestionárias de peso foi a exibição de dois documentários sobre a vida do líder revolucionário brasileiro Carlos Marighela. Dia 26 foi exibido o documentário; MARIGHELA, quem samba fica,  quem não samba vai embora; do argentino Carlos Pronzato. Dia 29, foi a vez de MARIGHELA, da cineasta Isa Grispun Ferraz, sobrinha do ex-guerrilheiro Carlos Marighela.
Em todas estas atividades passaram expressivas figuras do cenário político brasileiro e internacional que tiveram ativa participação nos debates do FST e deram respaldo político ao evento, dentre eles Frei Beto, Frei Leonardo Boff, o governador Tarso Genro, o ex-governador Olívio Dutra, os jornalistas Mário Jacobinsk e Beto Almeida, este, Diretor da Telesur no Brasil, e a Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. Diversos parlamentares compareceram ao evento.
A participação da Presidente Dilma Rousseft e seu discurso no estádio Gigantinho, onde foi muito aplaudida, e por ela ter deixado de ir a Davos, para participar do Fórum em Porto Alegre foi o ponto culminante do evento e respaldou a realização do mesmo e suas propostas que serão levadas a Cúpula dos Povos na Rio+20 em junho próximo.
Outros assuntos foram debatidos na Plenária Internacional que também condenou a repressão do governo estadunidense contra o Movimento dos Indignados Ocuppy Wall Stret e seus mais de 05 milhões de estadunidense que estão nas ruas protestando contra o capitalismo; contra a tentativa de se criar uma guerra contra o Irã manifestando solidariedade ao povo iraniano, total solidariedade aos indignados da Espanha e trabalhadores gregos, como também contra qualquer intervenção estrangeira na Síria. A Plenária aprovou ainda solidariedade ao povo palestino e denunciou a manipulação midiática do imperialismo contra Cuba, aprovando manifestação de apoio e solidariedade a campanha pela libertação dos 05 Heróis presos nos EUA.

FONTE: INTERPRESS. DIPLOMATIK; AGNOT MUNDO; INTERPRENSA; MIDIA SEM FRONTEIRAS; KG e ZS. Em Porto Alegre\RS\BR.29.01.2012. 22h.





A TORTURA NO REGIME MILITAR

O século XX ficou marcado como o século dos genocídios. A presença de regimes opressivos e totalitários, que se mantiveram através da força bruta, originaram os métodos científicos de tortura, disseminados por todas as nações do planeta. Quem pensa que a tortura é fruto do século que passou engana-se, desde os primórdios da história universal que o homem convive com ela. Dos antigos egípcios aos mesopotâmios, da inquisição medieval aos regimes totalitaristas nazistas, fascistas e stalinistas; a tortura foi uma forma que se desenvolveu para extrair depoimentos de oposicionistas, intimidar a população e consolidar os governos ilegítimos, construídos sem a participação ou o consentimento popular.
No Brasil do século XX, a tortura foi praxe nos dois maiores períodos ditatoriais que o país viveu, na época do Estado Novo (1937-1945) e do regime militar (1964-1985), sendo institucionalizada neste último período, banalizando-se e revelando-se como um método eficaz de garantir um Estado de ilegalidade.
Foi durante a ditadura militar que as maiores atrocidades foram cometidas contra os que se opunham ao regime. Neste período os estudantes, os intelectuais, os engajados políticos, foram as principais vítimas do sistema que contestavam. Em plena Guerra Fria, a elite brasileira posicionou-se do lado dos Estados Unidos e da direita ideológica. Ser comunista passou a ser terrorista. Combatê-los era, segundo a visão do regime, defender a pátria de homens que comiam criancinhas, pregavam o ateísmo e destruíam as igrejas e os conceitos familiares. No engodo de proteger o Brasil da ameaça comunista, instalou-se uma ditadura, que para manter os princípios da caserna ortodoxa, calou, torturou e matou sem o menor constrangimento, centenas de brasileiros.
A tortura durante o período do regime militar não livrou o Brasil dos militantes de esquerda, tão pouco destituiu da mente das pessoas o direito à liberdade de expressão que todos sonhavam. Se na sua propaganda o regime salvou o Brasil de terroristas comunistas, nos seus porões ela garantiu a sobrevivência de 20 anos de um Estado ilegítimo, feito sob a força bruta e o silêncio dos seus cidadãos.Identificação dos Torturados

Para que se perceba os princípios que regeram a tortura na época do regime militar, é preciso que se perceba também quem eram os torturados, ou os que se enquadravam nesse perfil de sórdida arbitrariedade. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa e o mundo foram divididos pelos aliados vencedores e por suas ideologias. Objetivamente, Estados Unidos e União Soviética formaram duas forças antagônicas que ao encerrarem uma guerra, construíram uma outra, a chamada Guerra Fria.
Antes de entrar no turbilhão da Guerra Fria e posicionar-se em um dos lados, o Brasil encerrou a ditadura do Estado Novo, em 1945. Em 1946 o país promulgou uma nova Constituição, entrando numa nova fase democrática. Graças à nova Constituição, o Partido Comunista do Brasil, que se iria tornar Partido Comunista Brasileiro em 1960, o PCB, existente desde 1922, pôde finalmente ser legalizado. Quando da legalização, o PCB era o quarto partido do país, com dezessete deputados, um senador e a maioria dos vereadores da Câmara do Distrito Federal, na época o Rio de Janeiro.
Em 1947 os princípios da Guerra Fria foram estabelecidos, espalhando-se pelo mundo. Neste ano realiza-se a Conferência Interamericana de Manutenção da Paz e Segurança, em Petrópolis; dela participou o então presidente argentino Juan Perón. Na conferência foi assinado o Tratado de Assistência Recíproca, que permitia a intervenção norte-americana onde quer que a paz e a segurança estivessem ameaçadas. O Brasil entrava para a gestação da Guerra Fria, posicionando-se ao lado dos EUA. Já integrado nos princípios da Guerra Fria, neste 1947, deputados do PTB propuseram a cassação do PCB baseado no texto da Constituição, que vedava qualquer partido que contrariasse em seu programa o regime democrático, e os comunistas, contrários às posições difundidas por Washington, passaram a ser vistos como inimigos do regime vigente. Em outubro o Brasil rompe relações diplomáticas com a União Soviética. O PCB, que obtivera o terceiro lugar do total de votos nas eleições estaduais, tem a legenda cassada numa decisão tomada pela diferença de um voto. No começo de 1948 os deputados, senadores e vereadores eleitos pela legenda tiveram seus mandatos cassados e o PCB entrou definitivamente na clandestinidade. Desde então o partido escondeu-se por trás de outras legendas.
No princípio da Guerra Fria, a doutrina francesa do “inimigo interno” é adotada pelos norte-americanos. O inimigo não era mais uma nação expansionista, como na época da Segunda Guerra Mundial, mas o cidadão invisível, que habitava o seu país, mas era contra o regime nele estabelecido. O inimigo era todo aquele cidadão que se opunha aos princípios da democracia desenhada pelos americanos, da sua visão de mundo livre, posicionando-se favorável ao mundo socialista.
Estabelecido o conceito de “inimigo interno” (no caso os comunistas), a ele juntou-se a doutrina da “segurança nacional”. As Forças Armadas do Brasil e da América Latina, formadas por uma elite histórica e de forte conotação de direita, deixaram-se seduzir por estes conceitos. Dentro da caserna, os princípios que identificavam os “inimigos internos” eram passados hierarquicamente, e esses inimigos ganhavam identidades ideológicas: eram os próprios compatriotas comunistas, os de esquerda e todos aqueles que se opunham ao lado ocidental da Guerra Fria, ou seja, ao regime estabelecido pelos norte-americanos.
Os “inimigos internos” do Brasil, especificamente os comunistas, quando estabelecida a ditadura militar em 1964, paradoxalmente eram considerados traidores dos princípios “democráticos” e tornar-se-iam o principal alvo da tortura, os comunistas seriam os torturados.

Atos Institucionais e Órgãos de Informação
Moldam a Ditadura e os Princípios da Tortura

Uma vez estabelecida a ditadura militar no Brasil, em 1 de abril de 1964, era preciso sustentá-la e legitimá-la. Apoiada logisticamente pelos EUA, baseando-se principalmente nos princípios anticomunistas da Guerra Fria, será dentro da Escola Superior de Guerra que se formulará os princípios da doutrina da segurança nacional, tendo como alvo o combate à esquerda, à eliminação dos “inimigos internos”. Para que se estabeleçam tais princípios, atos institucionais e leis repressivas dão legitimidade ao regime, e órgãos de informação são criados para que possam vigiar, identificar e eliminar o inimigo.
Em 9 de abril de 1964 é editado o primeiro Ato Institucional, que passaria para a história como AI-1, que legitimava o governo, estabelecendo 60 dias para que se acabasse o regime de exceção. O AI-1 dava poderes ao regime militar para cassar mandatos, suspendendo os direitos políticos por dez anos. João Goulart, Luiz Carlos Prestes, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e Leonel Brizola são os primeiros cassados. O expurgo atingiu governadores, 50 deputados, 49 juízes, 1200 militares e 1400 civis.
Em 27 de outubro de 1965 foi editado o AI-2, estabelecia-se que as eleições para presidente seriam de forma indireta e sem possibilidades de reeleição; dissolvia os partidos existentes desde 1945, criando o bipartidarismo, formado pela Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de base de apoio ao regime, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), a oposição consentida. Para garantir a maioria do governo no STF (Supremo Tribunal Federal), o AI-2 aumentava o número de ministros de 11 para 16.
O AI-3 é editado em 5 de fevereiro de 1966, reafirmando o regime militar estabelecido em 1964, definindo as eleições indiretas para os governadores dos estados, com votação nominal nas Assembléias Legislativas estaduais. Estabelecia ainda, que os prefeitos de capitais seriam nomeados pelos governadores. Com este último ato, o governo militar, estabelecido na figura do presidente general Humberto de Alencar Castelo Branco, consolida a ditadura no Brasil.
Legitimada através de atos institucionais, ao mesmo tempo a ditadura criava órgãos para vigiar e manter sob controle o pensamento em todos os setores da população. Sob as perspectivas mencionadas, surgiu, em 13 de junho de 1964, o Serviço Nacional de Informações (SNI), com a finalidade de coordenar por todo o território nacional as atividades de informação e contra-informação, assegurando assim, os conceitos estabelecidos pela doutrina da Segurança Nacional. Criado pelo general Golbery do Couto e Silva, o SNI veio à tona com um acervo de três mil dossiês e cem mil fichas com informações sobre as principais lideranças políticas, sindicais, estudantis e empresariais do Brasil. O SNI espalhou os seus tentáculos por toda a parte, funcionando durante a ditadura como uma polícia secreta comparável às SS de Hitler. Seus agentes infiltrados acompanhavam os considerados subversivos, doutrinavam colaboradores, arrebanhando voluntários por todas as partes, vigiando desde as igrejas aos meios de comunicação.
A partir do SNI, um eficiente mecanismo repressivo foi montado, com métodos eficazes de vigilância e controle sobre o cotidiano dos brasileiros, obedecendo a uma hierarquia. O SNI assessorava diretamente ao presidente do Brasil; os ministérios eram atendidos pelas DSIs (Divisões de Segurança e Informação); sendo os ministérios civis, autarquias, empresas e órgãos públicos atendidos pelas ASIs (Assessorias de Segurança e Informações).

Órgãos de Informação Militares e das
Polícias Federais e Civis Exercem a Tortura

Subordinados ao SNI, órgãos de repressão e tortura foram estabelecidos. Dentro das Forças Armadas, as três armas montaram individualmente os seus centros de informação.
No governo de Castelo Branco o Exército quis criar o seu centro de informações, mas com as restrições do presidente, o CIEX (Centro de Informações do Exército) só teve o seu projeto implementado no governo Costa e Silva. O CIEX teria grande alcance nacional, tornando-se um dos principais órgãos de tortura e repressão.
A Marinha tinha o seu órgão de informações, o CENIMAR (Centro de Informações da Marinha), desde 1955, para tratar das questões fronteiriças e da diplomacia. Aos poucos o órgão foi perdendo as suas reais funções, enredando-se cada vez mais na política repressiva, especializando-se em combater a luta armada.
Em 1968 a aeronáutica toma a iniciativa de criar o seu órgão de informações, CISA (Centro de Informações da Aeronáutica), sendo os seus mentores treinados no exterior. Mas a sua montagem só ocorreu já no governo Médici, adotando em 1970, a estrutura de combate e repressão à luta armada, tendo grande atuação na repressão aos guerrilheiros.
Ainda subordinados ao SNI estavam a polícia federal e as polícias estaduais e o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). A partir de 1969, surgiu em São Paulo a Operação Bandeirantes (Oban), organização clandestina, formada por militares, agentes e delegados civis e federais, que torturavam e desapareciam com militantes comunistas. A Oban agia à margem da lei, tornando-se poderosa, financiada por grandes empresas como a General Motors, Ford e Ultragaz. A experiência da Oban serviu para unir todos os órgãos repressivos, desde então passaram a atuar em conjunto os órgãos de informação da polícia federal, polícia militar e DOPS. Em janeiro de 1970 foram criados os DOI (Departamento de Operações e Informações) e os CODI (Centro de Operação e Defesa Interna). O DOI-CODI na prática integrava todos os órgãos repressores e legalizava a Oban.
O DOI-CODI transformar-se-ia numa máquina de repressão e tortura, estendendo os seus tentáculos além das fronteiras do país, infiltrando-se no Chile, Uruguai, Bolívia e Argentina. O DOI-CODI, assim como a antiga Oban, recebia grandes recursos financeiros, sendo dotado de tecnologia, tendo as suas atividades orientadas pela lógica da disciplina militar.
Todos estes órgãos institucionalizaram a tortura, constituindo um grande aparelho repressivo que agiria de forma brutal e sanguinária sobre aqueles que contestavam o regime militar. Agentes especiais eram formados na ESNI (Escola Nacional de Informações), criada em 1971. Os melhores alunos eram enviados para o Panamá, cursando a Escola das Américas, mantida pela CIA, lugar onde formaram grandes ditadores militares, que depois de um golpe, assumiram o poder em vários países da América Latina.
Em dezembro de 1968 Costa e Silva fechou o Congresso, o AI-5 foi decretado, dando plenos poderes ao presidente e, entre outras coisas, abolindo o hábeas corpus aos presos políticos, legalizando a tortura. Nos ventos do AI-5, foi promulgado em 1969 o AI-14, que estabelecia a pena de morte, a prisão perpétua e o banimento do país dos que eram considerados terroristas e atentavam contra a nova Lei de Segurança Nacional.

A Tortura Propriamente Dita

A tortura do regime militar instalou-se no Brasil desde o primeiro dia que foi dado o golpe, em 1 de abril de 1964. A primeira vítima de tortura foi o líder camponês e comunista Gregório Bezerra. No dia do golpe, o coronel Vilocq amarrou Gregório Bezerra com cordas, ordenando que soldados o arrastasse pelas ruas de Recife, humilhando-o com vitupérios verbais, espancando-o com uma vareta de ferro. O coronel incitava o povo para ver o “enforcamento do comunista”. Diante do horror, religiosos telefonaram para o general Justino Alves Bastos, que pressionado, impediu um martírio. Gregório Bezerra levou coronhadas pelo corpo, além de ter os pés queimados com soda cáustica. No dia do golpe, Recife foi um dos lugares que mais sofreu atrocidades dos golpistas, tendo civis agredidos e mortos em passeatas que protestavam a favor da democracia.
Um mês depois do golpe, presos políticos eram conduzidos para o navio Raul Soares, rebocado do Rio de Janeiro até o estuário de Santos, litoral paulista. A prisão flutuante era dividida em três calabouços, batizados com nomes de boates famosas da época: El Moroco, salão metálico, sem ventilação, ao lado da caldeira, ali os prisioneiros eram expostos a uma temperatura que passava dos 50 graus; Night in Day, uma pequena sala onde os presos ficavam com água gelada pelos joelhos; Casablanca, lugar que se despejava as fezes do navio. Os três calabouços eram usados para quebrar a resistência dos presos. Sindicalistas e políticos da Baixada Santista passaram pela prisão flutuante do Raul Soares, que foi desativada no dia 23 de outubro de 1964.
Mesmo diante de tantas evidências, o governo militar jamais admitiu que havia tortura no Brasil, o presidente Castelo Branco chegou a negar publicamente a existência de truculência em seu governo. Mas contrariamente às palavras do presidente, no dia 24 de agosto de 1966, foi encontrado boiando no rio Jacuí, afluente do rio Guaíba, em Porto Alegre, o corpo do sargento Manoel Raimundo Soares, já em estado de putrefação, com as mãos amarradas para trás. O sargento fazia parte dos militares expurgados do exército por causa do seu envolvimento com a militância política no governo João Goulart. O seu corpo trazia marcas de tortura, causando grande comoção e revolta da população na época. Este foi o primeiro caso de tortura e morte que causou grande repercussão, ficando conhecido popularmente como o “caso das mãos atadas”. Os militares prometeram investigar as circunstâncias da morte do sargento e punir culpados, mas arquivaram o caso e jamais tiveram o trabalho de investigá-lo.

Os Métodos de Tortura nos Porões Militares

Quanto mais tempo durava o regime militar, mais pessoas faziam oposição às atrocidades por ele cometidas. Estudantes, padres, intelectuais e vários setores da sociedade passaram a contestar o regime. Aumentava a contestação, a resposta era a intensificação da tortura, conseqüentemente, a sofisticação dos métodos ocasionava um grande número de mortos.
Métodos científicos de tortura foram desenvolvidos. Monstros torturadores escreveriam o seu nome em letras gigantes nas páginas pungentes da história do Brasil. Nomes como o de Sérgio Fleury, uma espécie de Torqueimada da ditadura militar. Fleury levou a tortura para as celas do DOPS de São Paulo, situado na Luz, no prédio que é hoje a Pinacoteca do Estado. Outro lugar de tortura em São Paulo era o DOI-CODI do Paraíso, conhecido como a Casa da Vovó. Os prisioneiros chegavam às mãos de Fleury e dos seus homens já espancados e feridos, sangrando e muitos vezes, já agonizantes. Ali eram pendurados no pau-de-arara, recebendo descargas elétricas. Furadeiras elétricas eram usadas para perfurar corpos, navalhas rasgavam a carne, cigarros queimavam órgãos genitais, mulheres sofriam abusos sexuais. Socos, pontapés, afogamentos, eram complementos às torturas, que ficavam cada vez mais elaboradas.
Os métodos de tortura engendrados recebiam diversos nomes simbólicos, entre eles, os mais comuns registrados e confirmados por aqueles que os sofreu, são:
Pau-de-Arara – O preso era posto nu, abraçando os joelhos e com os pés e as mãos amarradas. Uma barra de ferro era atravessada entre os punhos e os joelhos. Nesta posição a vítima era pendurada entre dois cavaletes, ficando a alguns centímetros do chão. A posição causava dores e atrozes no corpo. O preso ainda sofria choques elétricos, pancadas e queimaduras com cigarro. Este método de tortura já existia na época da escravidão, sendo utilizado em várias fases sombrias da história do Brasil.
Cadeira do Dragão – Os presos eram sentados nus em uma cadeira elétrica, revestida de zinco, ligada a terminais elétricos. Uma vez ligado, o zinco do aparelho transmitia choques a todo o corpo do supliciado. Os torturadores complementavam o mecanismo sinistro enfiando um balde de metal na cabeça da vítima, aplicando-lhe choques mais intensos.
Choques Elétricos – O torturador usava um magneto de telefone, acionado por uma manivela, conforme a velocidade imprimida, a descarga elétrica podia ser de maior ou menor intensidade. Os choques elétricos eram deferidos na cabeça, nos membros superiores e inferiores e nos órgãos genitais, causando queimaduras e convulsões, fazendo muitas vezes, o preso morder a própria língua. As máquinas usadas nesse método de tortura eram chamadas de “maricota” ou “pimentinha”.
Balé no Pedregulho – O preso era posto nu e descalço em local com temperatura abaixo de zero, sob um chuveiro gelado, tendo no piso pedregulhos com pontas agudas, que perfuravam os pés da vítima. A tendência do torturado era pular sobre os pedregulhos, como se dançasse, tentando aliviar a dor. Quando ele “bailava”, os torturadores usavam da palmatória para ferir as partes mais sensíveis do seu corpo.
Telefone – Entre as várias formas de agressões que eram usadas, uma das mais cruéis era o vulgarmente conhecido como “telefone”. Com as duas mãos em posição côncava, o torturador, a um só tempo, aplicava um golpe violento nos ouvidos da vítima. O impacto era tão violento, que rompia os tímpanos do torturado, fazendo-o perder a audição.
Afogamento na Calda da Verdade – A cabeça do torturado era mergulhada em um tambor, balde ou tanque cheio de água, urina, fezes e outros detritos. A nuca do preso era forçada para baixo, até o limite do afogamento na “calda da verdade”. Após o mergulho, a vítima ficava sem tomar banho vários dias, até que o seu cheiro ficasse insuportável. O método consistia em destruir toda a auto-estima do torturado.
Afogamento com Capuz – A cabeça do preso era encapuzada e afundada em córregos ou tambores de águas paradas e apodrecidas. O prisioneiro ao tentar respirar, tinha o capuz molhado a introduzir-se nas suas narinas, levando-o a perder o fôlego, produzindo um terrível mal-estar. Outra forma de afogamento consistia nos torturadores fecharem as narinas do preso, pondo-lhe, ao mesmo tempo, uma mangueira ou um tubo de borracha dentro da boca, obrigando-o a engolir água.
Mamadeira de Subversivo – Era introduzido na boca do preso um gargalo de garrafa, cheia de urina quente, normalmente quando o preso estava pendurado no pau-de-arara. Usando uma estopa, os torturadores comprimiam a boca do preso, obrigando-o a engolir a urina.
Soro da Verdade – Era injetado no preso pentotal sódico, uma droga que produz sonolência e reduz as inibições. Sob os efeitos do “soro da verdade”, o preso contava coisas que sóbrio não falaria. De efeito duvidoso, a droga pode matar.
Massagem – O preso era encapuzado e algemado, o torturador fazia-lhe uma violenta massagem nos nervos mais sensíveis do corpo, deixando-o totalmente paralisado por alguns minutos. Violentas dores levavam o preso ao desespero.
Geladeira – O preso era posto nu em cela pequena e baixa, sendo impedidos de ficar de pé. Os torturadores alternavam o sistema de refrigeração, que ia do frio extremo ao calor exacerbado, enquanto alto-falantes emitiam sons irritantes. A tortura na “geladeira” prolongava-se por vários dias, ficando ali o preso sem água ou comida.
As mulheres, além de sofrer as mesmas torturas, eram estupradas e submetidas a realizar as fantasias sexuais dos torturadores. Poucos relatos apontaram para os estupros em homens, se houveram, muitos por vergonha, esconderam esta terrível verdade.

O Que Fazer aos Corpos dos Mortos Pela Tortura

Para que se desenvolvessem métodos tão sofisticados de tortura, praticados com grandes requintes, era preciso que o governo militar desenvolvesse a propaganda do culpado, cada torturado era culpado, era o temível comunista que assaltava bancos, o terrorista que comia criancinhas, que ameaçava a família, assim, era criado o preconceito contra os torturados, que eram culpados e merecedores de todos os suplícios que se lhe eram impostos em uma sala de tortura.
Os recrutados para exercer a tortura eram indivíduos que recebiam favorecimentos dos seus superiores, gratificações e reconhecimento de heróis, pois ajudavam a livrar o país dos terroristas comunistas. Eram pessoas intimamente agressivas, com desvio de personalidade, que legitimadas em seus atos sem limites, tornavam-se incapazes de ter sentimentos por quem torturava.
Se por um lado a tortura coibia, causava medo e terror em quem se deixara apanhar e, principalmente, em quem ainda estava livre, militando na clandestinidade, por outro lado ela causava um grande problema, como esconder os torturados mortos. O que fazer com os corpos, uma vez que o regime militar negava veementemente a existência da tortura nos seus calabouços?
Para resolver o problema dos torturados mortos, médicos legistas passaram a fornecer laudos falsos, que escondiam as marcas da tortura, justificando a morte da vítima como sendo de causas naturais. Muitos dos mortos pela repressão tinham no laudo médico o suicídio como a causa mais comum, vários foram os “suicidas” da ditadura. Outras causas que ocultavam a tortura nos laudos eram a dissimulação de atropelamentos, acidentes automobilísticos ou que tinham sido mortos em tiroteios com a polícia, jamais eram reveladas as torturas.
Muitos legistas chegavam a apresentar laudos de torturados mortos como se desfrutassem da mais perfeita saúde. Quando não se podia ocultar as evidências da tortura, muitos cadáveres eram enterrados como anônimos, sem que os familiares jamais soubessem o que aconteceu aos corpos dos seus mortos. As valas clandestinas dos mortos da ditadura ocultavam dos familiares a marca das torturas neles praticadas. Entre os médicos legistas que assinaram laudos falsos para encobrir a tortura, tornaram-se notórios Harry Shibata, Isaac Abramovitch e Paulo Augusto Queiroz Rocha.
Mas nem sempre os falsos laudos conseguiram esconder a tortura. Em novembro de 1969, Chael Charles Schreier, militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), foi preso, torturado e morto. O seu corpo foi enviado para um hospital, portanto ele já estava morto quando lá deu entrada. No relatório do exército, foi dito que Chael Charles Schreier ao ser preso com dois outros companheiros, reagira violentamente com disparos de revólver. Na troca de tiros, os três terroristas saíram feridos, sendo Chael o que estava em estado mais grave, sendo medicado no hospital, entretanto Chael sofreu um ataque cardíaco, vindo a falecer. O que os militares não sabiam é que Chael era judeu, e que para ser sepultado nas tradições da sua família, era realizado o ritual da lavagem do corpo. Durante o ritual, constatou-se que Chael não tinha morrido por um ataque cardíaco, muito menos por ferimentos de balas, mas sim por tortura. O caso veio à tona, tornando-se matéria da revista “Veja” em dezembro daquele ano, a revista trazia na capa o título “Tortura”. Esta exposição constrangeu profundamente o governo do presidente Médici, apesar da reportagem da “Veja” isentá-lo da culpa da tortura e da morte de Chael, responsabilizando os que cercavam o presidente, sem citar nomes ou culpados.
Outro laudo falso, assinado por Harry Shibata, foi o que dizia que a causa da morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida nos porões da ditadura, em 1975, tinha sido suicídio. Desmascarada a farsa, o assassínio de Herzog por tortura teve grande repercussão, fazendo com que o então presidente, general Ernesto Geisel, admitisse que havia tortura nos porões da ditadura, iniciando um processo para desmantelar a máquina científica da institucionalização de tão vergonhosa e sanguinária prática. Também o caso da morte do operário Manoel Fiel Filho alcançou repercussão nacional, provando que a ditadura torturava e matava os seus opositores.

Conseqüências da Tortura no Brasil do Regime Militar

A tortura na ditadura militar tornou-se um instrumento fundamental para assegurar, através do medo e da repressão, a ideologia da caserna, amparada pela Guerra Fria e justificada pelos militares como necessária numa época de perigo à segurança nacional, ameaçada por terroristas comunistas.
Durante o período da ditadura militar, o povo brasileiro foi excluído do direito de participar da vida nacional. Através da força bruta, refletida na tortura, criou-se o medo na população, que por algumas décadas inibiu-se até mesmo dos direitos civis e de consumidor, formando um pacifismo involuntário que se tornou uma característica manipulada do brasileiro.
O governo instalado no dia 1 de abril de 1964, manteve-se contrariando todos os princípios que regem os direitos humanos, traduzidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Estes direitos foram negligenciados pelos Estados Unidos, que para manter a sua ideologia e democracia interna, apoiou e financiou sangrentas ditaduras militares em toda a América Latina, exportando para esses países, seus sofisticados métodos de tortura e combate ao perigo da ideologia soviética.
Na violação dos direitos humanos, americanos ensinavam aos policiais brasileiros a seqüestrarem mendigos, e neles desenvolverem métodos eficazes de tortura, que seriam usados nos inimigos do regime.
No período mais intenso da tortura militar, no início da década de setenta, os brasileiros foram ideologicamente divididos pelo governo em dois grupos: o grupo dos “verdadeiros cidadãos” e o grupo dos “inimigos internos”, tornando o princípio arbitrário a principal arma de propaganda difundida pelo regime.
Oficialmente, os inimigos internos do regime militar no período de intensificação total da tortura, de 1969 a 1974, eram os guerrilheiros e revolucionários de esquerda, vistos como terroristas, e que militavam principalmente, no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8); Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares); Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Partido Comunista do Brasil (Pc do B), que promoveu a Guerrilha do Araguaia; Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), liderada por Carlos Lamarca, que se tornou ao lado de Carlos Marighella, os principais inimigos do regime; a Ação Libertadora Nacional (ALN), que de destacou na guerrilha urbana; e, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), combalido por sucessivas divisões que deram origem à maioria dos grupos de resistência à ditadura mencionados. Das organizações citadas, cinco a seis mil pessoas participou da luta armada, um número insignificante quando o país chegava a 100 milhões de habitantes, não justificando a máquina mortífera que as polícias brasileiras e as Forças Armadas criaram, sustentadas na aplicação da tortura como método de repressão.
Além dos mortos e desaparecidos (também mortos, mas jamais tendo sido encontrados os seus corpos), a tortura deixou danos indeléveis aos que sobreviveram a ela, levando alguns ao suicídio, como aconteceu ao dominicano Frei Tito de Alencar Lima. Os que sobreviviam à tortura, eram permanentemente ameaçadas e vigiadas pelo regime opressivo. Até hoje, os torturados têm dificuldade na sua maioria, em falar dos horrores que sofreram nos porões da ditadura.
Os que ousaram a contestar a ditadura eram na sua maioria, jovens idealistas, muitos politizados e engajados, outros em processo de politização, que se atiravam aos ideais, dispostos até mesmo a morrer por eles. A maioria dos torturados que morreram eram jovens.
Mas a ditadura não matou somente os opositores engajados, os chamados comunistas, guerrilheiros e revolucionários, vários foram os inocentes apanhados nas malhas da delação, que pereceram sob tortura sem jamais descobrirem porque estavam a ter tão nefasto destino. Aos inocentes a tortura poderia ser mais intensa, já que nada sabiam, nada podiam revelar.
Findo o regime militar, a tortura foi justificada pelos ex-presidentes ditadores como um mal necessário, como arma de defesa diante de uma guerra que se vivia. Nenhum torturador foi preso ou punido por seus atos, todos foram beneficiados pela lei da Anistia, que em 1979 anistiou os presos políticos, os exilados e os torturadores da ditadura militar. A tortura continua a ser a maior página negra da recente história do Brasil.

Mortos e Desaparecidos

O modelo de tortura empregado pelos órgãos de informação da ditadura militar chegou a ser exportado para alguins países asiáticos, onde governos repressivos assumiram o poder. Curiosamente, países que adotaram regimes socialistas, como o Camboja, foram os que “importaram” os métodos da direita brasileira.
Uma lista oficial dos mortos e desaparecidos no período da ditadura militar (1964-1985), foi divulgada pelo Grupo Tortura Nunca Mais. São considerados desaparecidos casos que se tem dados da tortura cometida contra o militante e da sua eventual morte, mas que o seu corpo jamais foi encontrado ou identificado. Entre os casos está o do Stuart Edgard Angel Jones, que apesar das evidências do seu assassínio, é oficialmente um desaparecido, uma vez que não apareceu um cadáver para oficializar a sua morte. Os mortos foram divididos na lista como militantes políticos e outros, é o caso de Zuleika Angel Jones, mãe de Stuart, cuja morte jamais foi esclarecida. Segue a lista dos mortos e desaparecidos da ditadura militar. Esta lista pode ser encontrada no site do Grupo Tortura Nunca Mais, onde a ficha de cada morto ou desaparecido é divulgada, podendo ser pesquisada.

Mortes Oficiais:

1964

Albertino José de Oliveira
Alfeu de Alcântara Monteiro
Ari de Oliveira Mendes Cunha
Astrogildo Pascoal Vianna
Bernardinho Saraiva
Carlos Schirmer
Dilermando Mello do Nascimento
Edu Barreto Leite
Ivan Rocha Aguiar
Jonas José Albuquerque Barros
José de Sousa
Labib Elias Abduch
Manuel Alves de Oliveira

1965
Severino Elias de Melo

1966
José Sabino
Manoel Raimundo Soares

1967
Milton Palmeira de Castro

1968
Clóvis Dias Amorim
David de Souza Meira
Edson Luiz de Lima Souto
Fernando da Silva Lembo
Jorge Aprígio de Paula
José Carlos Guimarães
Luis Paulo Cruz Nunes
Manoel Rodrigues Ferreira
Maria Ângela Ribeiro
Ornalino Cândido da Silva

1969
Antônio Henrique Pereira Neto (Padre)
Carlos Marighella
Carlos Roberto Zanirato
Chael Charles Schreier
Eremias Delizoikov
Fernando Borges de Paula Ferreira
Hamilton Fernando Cunha
João Domingos da Silva
João Lucas Alves
João Roberto Borges de Souza
José Wilson Lessa Sabag
Luiz Fogaça Balboni
Marco Antônio Brás de Carvalho
Nelson José de Almeida
Reinaldo Silveira Pimenta
Roberto Cietto
Sebastião Gomes da Silva
Severino Viana Colon

1970
Abelardo Rausch Alcântara
Alceri Maria Gomes da Silva
Ângelo Cardoso da Silva
Antônio Raymundo Lucena
Ari de Abreu Lima da Rosa
Avelmar Moreira de Barros
Dorival Ferreira
Edson Neves Quaresma
Eduardo Collen Leite
Eraldo Palha Freire
Hélio Zanir Sanchotene Trindade
Joaquim Câmara Ferreira
Joelson Crispim
José Idésio Brianesi
José Roberto Spinger
Juarez Guimarães de Brito
Lucimar Brandão Guimarães
Marco Antônio da Silva Lima
Norberto Nehring
Olavo Hansen
Roberto Macarini
Yoshitame Fujimore

1971
Aderval Alves Coqueiro
Aldo de Sá Brito de Souza Neto
Amaro Luís de Carvalho
Antônio Sérgio de Matos
Carlos Eduardo Pires Fleury
Carlos Lamarca
Devanir José de Carvalho
Dimas Antônio Casemiro
Eduardo Antônio da Fonseca
Flávio de Carvalho Molina
Francisco José de Oliveira
Gerson Theodoro de Oliveira
Iara Iavelberg
Joaquim Alencar de Seixas
José Campos Barreto
José Gomes Teixeira
José Milton Barbosa
José Raimundo da Costa
José Roberto Arantes de Almeida
Luís Eduardo da Rocha Merlino
Luís Hirata
Luiz Antônio Santa Bárbara
Manoel José Mendes Nunes de Abreu
Marilene Vilas-Boas Pinto
Mário de Souza Prata
Maurício Guilherme da Silveira
Nilda Carvalho Cunha
Odijas Carvalho de Souza
Otoniel Campos Barreto
Raimundo Eduardo da Silva
Raimundo Gonçalves Figueiredo
Raimundo Nonato Paz ou “Nicolau 21”
Raul Amaro Nin Ferreira

1972
Alex de Paula Xavier Pereira
Alexander José Ibsen Voeroes
Ana Maria Nacinovic Corrêa
Antônio Benetazzo
Antônio Carlos Nogueira Cabral
Antônio Marcos Pinto de Oliveira
Arno Preis
Aurora Maria Nascimento Furtado
Carlos Nicolau
Danielli Célio Augusto Valente da Fonseca
Fernando Augusto Valente da Fonseca
Frederico Eduardo Mayr
Gastone Lúcia Beltrão
Gelson Reicher
Getúlio D’Oliveira Cabral
Grenaldo de Jesus da Silva
Hélcio Pereira Fortes
Hiroaki Torigoi
Ismael Silva de Jesus
Iuri Xavier Pereira
Jeová de Assis Gomes
João Carlos Cavalcanti Reis
João Mendes Araújo
José Bartolomeu Rodrigues de Souza
José Inocêncio Pereira
José Júlio de Araújo
José Silton Pinheiro
Lauriberto José Reys
Lígia Maria Salgado Nóbrega
Lincoln Cordeiro Oest
Lourdes Maria Wanderly Pontes
Luís Andrade de Sá e Benevides
Marcos Nonato da Fonseca
Maria Regina Lobo Leite Figueiredo
Míriam Lopes Verbena
Ruy Osvaldo Aguiar Pfitzenreuter
Valdir Sales Saboya
Wilton Ferreira

1973
Alexandre Vannucchi Leme
Almir Custódio de Lima
Anatália de Souza Alves de Mello
Antônio Carlos Bicalho Lama
Arnaldo Cardoso Rocha
Emanoel Bezerra dos Santos
Eudaldo Gomes da Silva
Evaldo Luís Ferreira Sousa
Francisco Emanoel Penteado
Francisco Seiko Okama
Gildo Macedo Lacerda
Helber José Gomes Goulart
Henrique Ornelas Ferreira Cintra
Jarbas Pereira Marques
José Carlos Novaes da Mata Machado
José Manoel da Silva
José Mendes de Sá Roriz
Lincoln Bicalho Roque
Luís Guilhardini
Luís José da Cunha Manoel Aleixo da Silva
Manoel Lisboa de Moura
Merival Araújo
Pauline Philipe Reichstul
Ranúsia Alves Rodrigues
Ronaldo Mouth Queiroz
Soledad Barret Viedma
Sônia Maria Lopes Morais

1975
José Ferreira de Almeida
Pedro Gerônimo de Souza
Vladimir Herzog

1976
Ângelo Arroyo
João Baptista Franco Drummond
João Fosco Penito Burnier (Padre)
Manoel Fiel Filho
Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar

1977
José Soares dos Santos

1979
Alberi Vieira dos Santos
Benedito Gonçalves
Guido Leão
Otacílio Martins Gonçalves
Santo Dias da Silva

1980
Lyda Monteiro da Silva
Raimundo Ferreira Lima
Wilson Souza Pinheiro

1983
Margarida Maria Alves

Outras Mortes:
Afonso Henrique Martins Saldanha
Antônio Carlos Silveira Alves
Ari da Rocha Miranda
Catarina Abi-Eçab
Iris Amaral
Ishiro Nagami
João Antônio Abi-Eçab
João Barcellos Martins
José Maximiniano de Andrade Neto
Luiz Affonso Miranda da Costa Rodrigues
Newton Eduardo de Oliveira
Sérgio Correia
Silvano Soares dos Santos
Zuleika Angel Jones

Mortes no Exílio:
Ângelo Pezzuti da Silva
Carmem Jacomini
Djalma Carvalho Maranhão
Gerosina Silva Pereira
Maria Auxiliadora Lara Barcelos
Nilton Rosa da Silva
Therezinha Viana de Assis
Tito de Alencar Lima (Frei)

Desaparecidos no Brasil:

Adriano Fonseca Fernandes Filho
Aluísio Palhano Pedreira Ferreira
Ana Rosa Kucinski Silva
André Grabois
Antônio “Alfaiate”
Antônio Alfredo Campos
Antônio Carlos Monteiro Teixeira
Antônio de Pádua Costa
Antônio dos Três Reis Oliveira
Antônio Guilherme Ribeiro Ribas
Antônio Joaquim Machado
Antônio Teodoro de Castro
Arildo Valadão
Armando Teixeira Frutuoso
Áurea Eliza Pereira Valadão
Aylton Adalberto Mortati
Bergson Gurjão Farias
Caiupy Alves de Castro
Carlos Alberto Soares de Freitas
Celso Gilberto de Oliveira
Cilon da Cunha Brun
Ciro Flávio Salasar Oliveira
Custódio Saraiva Neto
Daniel José de Carvalho
Daniel Ribeiro Callado
David Capistrano da Costa
Dênis Casemiro
Dermeval da Silva Pereira
Dinaelza Soares Santana Coqueiro
Dinalva Oliveira Teixeira
Divino Ferreira de Souza
Durvalino de Souza
Edgard Aquino Duarte
Edmur Péricles Camargo
Eduardo Collier Filho
Elmo Corrêa
Elson Costa
Enrique Ernesto Ruggia
Ezequias Bezerra da Rocha
Félix Escobar Sobrinho
Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira
Francisco Manoel Chaves
Gilberto Olímpio Maria
Guilherme Gomes Lund
Heleni Telles Ferreira Guariba
Helenira Rezende de Souza Nazareth
Hélio Luiz Navarro de Magalhães
Hiram de Lima Pereira
Honestino Monteiro Guimarães
Idalísio Soares Aranha Filho
Ieda Santos Delgado
Ísis Dias de Oliveira
Issami Nakamura Okano
Itair José Veloso
Ivan Mota Dias
Jaime Amorim Miranda
Jaime Petit da Silva
Jana Moroni Barroso
João Alfredo Dias
João Batista Rita
João Carlos Haas Sobrinho
João Gualberto
João Leonardo da Silva Rocha
João Massena Melo
Joaquim Pires Cerveira
Joaquinzão
Joel José de Carvalho
Joel Vasconcelos Santos
Jorge Leal Gonçalves Pereira
Jorge Oscar Adur (padre)
José Humberto Bronca
José Lavechia
José Lima Piauhy Dourado
José Maria Ferreira Araújo
José Maurílio Patrício
José Montenegro de Lima
José Porfírio de Souza
José Roman
José Toledo de Oliveira
Kleber Lemos da Silva
Libero Giancarlo Castiglia
Lourival de Moura Paulino
Lúcia Maria de Sousa
Lúcio Petit da Silva
Luís Almeida Araújo
Luís Eurico Tejera Lisboa
Luís Inácio Maranhão Filho
Luiz Renê Silveira e Silva
Luiz Vieira de Almeida
Luíza Augusta Garlippe
Manuel José Nurchis
Márcio Beck Machado
Marco Antônio Dias Batista
Marcos José de Lima
Maria Augusta Thomaz
Maria Célia Corrêa
Maria Lúcia Petit da Silva
Mariano Joaquim da Silva
Mario Alves de Souza Vieira
Maurício Grabois
Miguel Pereira dos Santos
Nelson de Lima Piauhy Dourado
Nestor Veras
Norberto Armando Habeger
Onofre Pinto
Orlando da Silva Rosa Bonfim Júnior
Orlando Momente Osvaldo Orlando da Costa
Paulo César Botelho Massa
Paulo Costa Ribeiro Bastos
Paulo de Tarso Celestino da Silva
Paulo Mendes Rodrigues
Paulo Roberto Pereira Marques
Paulo Stuart Wright
Pedro Alexandrino de Oliveira Filho
Pedro Carretel
Pedro Inácio de Araújo
Ramires Maranhão do Vale
Rodolfo de Carvalho Troiano
Rosalino Souza
Rubens Beirodt Paiva
Ruy Carlos Vieira Berbert
Ruy Frazão Soares
Sérgio Landulfo Furtado
Stuart Edgar Angel Jones
Suely Yumiko Kamayana
Telma Regina Cordeiro Corrêa
Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto
Tobias Pereira Júnior
Uirassu de Assis Batista
Umberto Albuquerque Câmara Neto
Vandick Reidner Pereira Coqueiro
Virgílio Gomes da Silva
Vitorino Alves Moitinho
Walquíria Afonso Costa
Wálter de Souza Ribeiro
Wálter Ribeiro Novaes
Wilson Silva
Desaparecidos no Exterior:

Argentina
Francisco Tenório Júnior
Jorge Alberto Basso
Luiz Renato do Lago Faria
Maria Regina Marcondes Pinto
Roberto Rascardo Rodrigues
Sidney Fix Marques dos Santos
Walter Kenneth Nelson Fleury

Bolívia
Luiz Renato Pires de Almeida

Chile
Jane Vanini
Luiz Carlos Almeida
Nelson de Souza Kohl
Túlio Roberto Cardoso Quintiliano
Wânio José de Matos


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Veterano diplomata americano questiona a narrativa sobre a Síria










O problema da política dos EUA para o Oriente Médio é que ela atualmente só está operando no nível político: longe vão os dias em que havia especialistas peso-pesado nos centros de decisão, capazes de considerar o contexto histórico e as relações sociais, e de levar em conta essas nuances, nas decisões políticas.

Hoje, o que se vê são grupos de interesses monolíticos, projetos comerciais, e o impacto sempre presente das eleições, em todas as decisões. Só se vê o quadro de curto prazo: muita tática e nenhuma estratégia, nessas abordagens de ou branco ou preto. Como campanha de publicidade de alta octanagem, todas as discussões se fazem em frases-slogans, em cenários e segundo narrativas inventadas.

Nas últimas semanas, a Síria não saiu das manchetes, em repetição ensurdecedora: o governo massacra a oposição em Homs; China e Rússia são os bandidos; um generoso Conselho de Segurança da ONU, que só pensa em salvar os sírios; o massacre de Hama, de 1982, ressuscitado; e uma embaixadora dos EUA que se declara “disgusted”, ante o atrevimento de outros embaixadores, que vetam, de pleno direito, desejos declarados dos EUA.

Mas se se baixa o volume da histeria, e se se devolve o debate à voz de observadores mais experientes e comedidos, logo se encontra uma narrativa mais consistente. No fim de semana, tive o privilégio de receber um e-mail que me fez lembrar o tempo em que havia especialistas mais bem qualificados no Departamento de Estado dos EUA, capazes de produzir relatos objetivos dos fatos em campo, o que, no mínimo, possibilitava que se tomassem decisões menos ensandecidas.

A msg vem assinada por um ex-diplomata norte-americano que serviu na Síria, e que pede para não ter seu nome publicado. Publico aqui seu e-mail, para benefício dos leitores:


“Tenho graves restrições ao que se tem dito sobre intervenção militar na Síria. Todos, sobretudo a imprensa, parecem só contar com informações de ativistas da oposição. Como se sabe que ontem o regime sírio matou 260 pessoas em Homs? O número parece saído do que dizem figuras da oposição. Duvido muito desses números.

Servi durante três anos na Embaixada dos EUA em Damasco e sei o quanto é difícil separar fatos e boatos naquela sociedade política fechada. Cuidávamos de sempre verificar todos os boatos que circulavam sobre assassinatos, prisões de opositores políticos, etc., e nesse trabalho de verificação de boatos estava incluída a CIA, que recebia informação tão pouco confiável como nós todos. Hoje, temos lá um esqueleto de embaixada, que com certeza é mantida sob estrita vigilância, com pessoal reduzido, sem condições de andar pelas ruas e ver o que de fato está acontecendo. Estive em Damasco há dois anos, vi a carência de fontes com que a Embaixada trabalha, e não tive boa impressão do modo como compreendia-se, na Embaixada, a dinâmica do que acontecia na Síria. Posso dizer o mesmo, das conversas que tenho tido com funcionários do Departamento de Estado.

A imprensa, e em certa medida também o governo [Obama], personalizaram o conflito sírio, como se só se tratasse de Bashar Assad e sua família. Todos tem subestimado, praticamente sempre, a natureza sectária do conflito naquele país. De modo algum se trata só de Bashar Assad e família, que se agarram ao poder a qualquer custo: trata-se de todo o sistema alawita de controle do país, que inclui os militares, os serviços de segurança e o Partido Baath. Creio que os alawitas creem firmemente que, se perderem o poder, os sunitas os massacrarão. Essa é uma das razões pelas quais Hafez e seu irmão Rifaat foram tão impiedosos em Hama há trinta anos. E, no ocidente, todos esquecem, muito convenientemente, a campanha de assassinatos e suicidas-bombas comandada, três ou quatro anos antes de Hama, pela Fraternidade Muçulmana em todo o país. Testemunhei pessoalmente um desses ataques a bomba, do qual resultaram várias centenas de mortos. Por mais curta que seja a memória histórica do Departamento de Estado, da CIA e de outros órgãos do governo dos EUA, os sírios não esquecem facilmente.

Encontram-se poucas análises sérias sobre o conflito na Síria. Com exceção do que o jornalista Nir Rosen e o International Crisis Group têm publicado, a maioria dos relatos são superficiais e tendenciosos a favor da oposição ao regime sírio. Assim, não há base de informação a partir da qual propor políticas, sobretudo se Washington considera a possibilidade de algum tipo de intervenção militar. Seria como abrir uma caixa de Pandora dos conflitos sectários, que facilmente se espalhariam para o Líbano, Israel, as áreas curdas do Iraque e por toda a região.

Uma das ironias da situação atual, se comparada à situação de trinta anos passados, é o papel do Iraque. Naquele momento, tínhamos informação satisfatoriamente confiável de que Saddam Hussein fornecia armas e explosivos à Fraternidade Muçulmana e facilitava o contrabando desses itens através da fronteira Síria-Iraque. Hoje, o governo Maliki em Bagdá parece apoiar o regime de Assad. E há trinta anos, também tínhamos informação de que os líderes da Fraternidade Muçulmana contavam com a proteção do rei Hussein e dos sauditas, que lhes garantiam santuário na Jordânia e na Arábia Saudita.

Não me parece que os EUA saibamos como jogar nessa arena, assim como tampouco sabemos como jogar na arena do Afeganistão-Paquistão. A intervenção militar norte-americana, embora disfarçada como intervenção da OTAN, ou sob qualquer outro guarda-chuva, pode ter consequências graves e não previstas para os EUA, a Europa e a região. Os funcionários em Washington deveriam receber lições sobre a lei das consequências não previstas, marteladas na cabeça, todos os dias.

São pensamentos de um diplomata dos EUA, com experiência recente e direta na Síria. Por que não se ouvem avaliações assim sóbrias, da boca dos que mandam, em Washington? Parte da razão, é claro, é a super politização do processo de tomada de decisões, que há muito tempo foi sequestrado da mão dos especialistas e entregue no colo dos falcões linha-dura, de ideólogos, de candidatos e de jornalistas ‘marketeiros’ especialistas em campanhas eleitorais.

Deve-se lembrar que muitos dos motivos pelos quais o governo dos EUA está focado na Síria derivam da fixação no Irã. Ao apoiar a ideia do Irã, de que é preciso pôr fim à hegemonia dos EUA e de Israel no Oriente Médio, a Síria pôs-se no centro das prioridades das políticas dos EUA.

David Sanger, do New York Times, escreveu, pouco depois de a Primavera Árabe ter devorado os primeiros dois ditadores, Zine El Abidine Ben Ali da Tunísia, e Hosni Mubarak do Egito:

“Cada decisão – da Líbia ao Iêmen, do Bahrain à Síria – está sendo examinada sob o prisma de como afetará o que era, até meados de janeiro, o projeto dominante na estratégia regional do governo Obama: como conter o progresso nuclear no Irã e acelerar ali as oportunidades de um levante bem sucedido.”

Os esforços para minar o governo de Bashar Assad estão há muito tempo entre os principais objetivos políticos do governos, desde bem antes de as revoltas populares começarem no Oriente Médio em geral, em 2011. WikiLeaks revelou uma verdadeira mina de informações sobre as intervenções dos EUA na Síria, inclusive o financiamento direto, dos EUA, a grupos de oposição[1].

Política suja e dificuldades geopolíticas à parte, permanece, no coração dessa questão, um problema que é fundamental para que se proponham melhores políticas, em todos os casos: em que momento narrativas apenas oportunistas convertem-se em mentiras ativas, que geram políticas cada vez piores?

Um telegrama publicado por WikiLeaks, de 2006, ilustra os esforços de Washington para identificar “oportunidades” para expor “vulnerabilidades” no regime sírio e provocar divisão sectária/étnica, discórdia dentro do aparelho militar/de segurança e dificuldades econômicas. Como os EUA fariam isso? O telegrama lista uma série de vulnerabilidades sírias a serem exploradas e recomenda:

“Essas propostas têm de ser dissecadas e convertidas em ações, e temos de estar prontos para nos movimentar rapidamente e extrair vantagens dessas oportunidades. Muitas de nossas sugestões destacam o uso de Diplomacia Pública e de meios mais indiretos para enviar mensagens que influenciem o círculo interno [do poder sírio].”[2]

Propaganda dirigida à opinião pública nos EUA
“Diplomacia Pública” significa, de fato, “propaganda” – a qual, nos termos da lei Smith-Mundt, de 1948, especifica os termos nos quais o governo dos EUA pode disseminar informação para públicos estrangeiros. Em 1972, a lei proibiu que cidadãos norte-americanos tivessem acesso a informação orientada para públicos estrangeiros; em outras palavras, é ilegal, nos EUA, que o governo norte-americano faça propaganda dirigida a cidadãos norte-americanos.

Mas Washington encontrou meios para burlar a lei. Afinal, os cidadãos norte-americanos têm de “vir junto” nas muitas aventuras militares além-mar empreendidas por sucessivos governos. Como, então, o governo dos EUA consegue, sem infringir a lei, inundar a sociedade com propaganda, e obter que os norte-americanos abracem tantas guerras (Iraque, Afeganistão, talvez o Irã), aceitem a venda de armas a aliados questionáveis (Arábia Saudita e Israel) e aceitem as muitas violações de direitos humanos (Guantanamo, ataques com aviões-robôs, os drones, a civis)?

A falsa história das armas de destruição em massa que haveria no Iraque, prontas a serem usadas contra os EUA e seus aliados, foi a parte crucial da narrativa que resultou na intervenção militar no Iraque. Impossível esquecer o depoimento do então secretário de Estado Colin Powell, em que disse que havia provas de que Saddam possuía armas de destruição em massa; e o discurso “State of the Union” do presidente Bush, quando mentiu, ao dizer que o Iraque obtinha urânio enriquecido do Niger. A imprensa acabou por revelar as duas mentiras [embora não a tempo de impedir a guerra do Iraque]: a lei proíbe divulgar propaganda mentirosa ao povo norte-americano.

Quando narrativas oportunistas convertem-se em mentiras ativas, que geram políticas viciosas?

Há meios pelos quais é possível escapar à lei Smith-Mundt. O meio mais rápido, para distribuir informação imprecisa, viciosa e às vezes absolutamente falsa, são os ‘vazamentos’. Basta pesquisar em qualquer jornal ou revista em Washington, New York ou Los Angeles, e facilmente se encontram, nas sessões de política internacional, inúmeros ‘vazamentos’, em que “autoridades” ou funcionários do governo, ‘vazam’ frases diretamente aos jornalistas.

A internet também é excelente veículo para disseminar desinformação. O alcance planetário, os milhões de blogs com diferentes graus de credibilidade – todos sempre podem servir ao jogo da propaganda, ou “Diplomacia Pública”.

Em abril de 2010, o coronel Lawrence Wilkerson, ex-chefe de gabinete de Powell – mais um coronel e ex-funcionário, dos vários que falaram com franqueza sobre política e os atalhos que há no processo, depois de deixar o posto – disse-me, pessoalmente:

“[O secretário de Defesa Donald] Rumsfeld e outros, por exemplo, simplesmente ignoraram a lei. Mandavam o que queriam que fosse publicado, por exemplo, para um jornal de Sydney, que publicava; em seguida, pela internet, mandavam de volta a ‘notícia publicada na Austrália’, para os EUA. Fizeram, sim, propaganda dirigida aos cidadãos norte-americanos.”

Wilkerson insiste:

“Temos um conflito de leis, que tem de ser corrigido – a lei diz que não se podem misturar as coisas: há “relações públicas”, dirigidas ao público norte-americano; e há “diplomacia pública”, dirigida a públicos não norte-americanos. Falta uma lei que proíba a propaganda, e ponto final. É importante informar a verdade. Entendo que não se possam publicar segredos de Estado. Mas por que não publicar a verdade?”

O problema das relações internacionais, particularmente no Oriente Médio, é, em síntese, quem constrói as decisões – sempre ideólogos, com agendas fixas: contra o Irã e a favor de Israel; contra o ‘ditador’ sírio, mas a favor dos ditadores sauditas, bahrainis, iemenitas, qataris; contra o Irã ter capacidade nuclear, mas a favor de Israel manter suas 200 bombas atômicas; abusar do direito de veto no Conselho de Segurança (os EUA vetaram mais de 80 propostas de resolução no CS!), e apresentar como se fosse crime, o exercício do mesmo direito de veto quando é exercido por outros membros do mesmo Conselho. E a lista é longa.

“Está rachado – é absolutamente disfuncional” – disse Wilkerson, sobre o processo de tomada de decisões no governo dos EUA: “Metem os ideólogos no processo, para encurralar, chantagear, orquestrar, manipular, enganar, confundir os funcionários civis dentro do governo, até que todos façam o que os ideólogos dizem que tem de ser feito.”
De volta à Síria.
Uma jornalista de uma grande rede ocidental de notícias escreveu-me, por e-mail, voltando de viagem à Síria: “Voltei de Homs, mês passado, sem estar convencida de que havia algum levante popular contra o regime de Assad. E muito longe de estar convencida de que haveria por lá algum ‘mocinho’ contra ‘bandidos’.”

De fato, sabe-se praticamente nada sobre o que se passa no país. E não necessariamente porque a imprensa seja controlada: o relatório da missão da Liga Árabe lista 147 órgãos da imprensa ocidental e árabe
[3] que estão presentes na Síria.

A razão pela qual continuamos sem nada saber sobre o que está realmente acontecendo em Homs é que está em curso uma feroz batalha pela narrativa dominante. E a narrativa hoje dominante é a que Washington criou. A mesma Washington que, como se lê na notícia direta, colhida de fonte primária, que WikiLeaks publicou, desde 2006 trabalha para colher todas as “oportunidades” de explorar as “vulnerabilidades” e minar o governo de Bashar Assad.

Não oferecer informação correta é uma coisa. Mas outra coisa, bem diferente, é trabalhar para atingir objetivo político sobre o qual os cidadãos dos EUA não foram consultados nem discutiram, porque foram mantidos à margem, sem conhecer os fatos.










[1] Ver, por exemplo, telegrama 06DAMASCUS760 (traduzido), 9/2/2012, “EUA trabalha com a oposição na Síria, desde 2006”, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/02/so-wikileaks-salva.html [NTs]
[2] Telegrama 04 DAMASCUS 005399, em http://cablegate.at/cables/06DAMASCUS5399 (em inglês).
[3] A relação completa dos 147 órgãos da imprensa ocidental e árabe que estão trabalhando na Síria (entre as quais a BBC, a Associated Press, a rede CBS, a TV estatal italiana, o jornal Guardian, a rede CNN, a rede EFE espanhola, o Financial Times, a rede NBC e mais de uma centena de outros) pode ser lida diretamente do Relatório da Missão da Liga Árabe que visitou a Síria, em http://www.columbia.edu/~hauben/Report_of_Arab_League_Observer_Mission.pdf (em inglês). Sobre o Relatório da missão da Liga Árabe na Síria, ver 3/2/2012, Pepe Escobar, “Vazou!”, em português em http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/02/pepe-escobar-vazou-agenda-da-liga-arabe.html [NTs].




Pentágono/OTAN versus BRICS
30/11/2011, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
Poucos prestaram atenção, quando, semana passada, a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Victoria Nuland anunciou, em linguagem cifrada, que Washington “deixará de atender a alguns dos dispositivos do Tratado das Forças Militares Convencionais na Europa [ing. Conventional Armed Forces in Europe (CFE) Treaty], no que tenha a ver com Rússia.”[1]
Tradução: Washington deixará de informar a Rússia sobre deslocamentos de sua armada global. A estratégia de “reposicionamento” planetário do Pentágono virou segredo.
É preciso atualizar algumas informações de fundo. Esse tratado, CFE, foi assinado nos anos 1990 – quando o Pacto de Varsóvia ainda era vigente, e cabia à OTAN defender o ocidente “livre” contra o que então estava sendo pintado como um muito ameaçador Exército Vermelho.
Na Parte I, esse Tratado CFE estabelecia significativa redução no número de tanques, artilharia pesadíssima, jatos e helicópteros de guerra, e dizia também, aos dois lados, que todos teriam de nunca parar de falar do Tratado CFE.
A Parte II do Tratado CFE foi assinada em 1999, no mundo pós-URSS. A Rússia transferiu grande parte de seu arsenal para trás dos Montes Urais, e a OTAN nunca parou de avançar diretamente contra as fronteiras russas –, movimento que aberta e descaradamente descumpria a promessa que George Bush ‘Pai’ fizera, pessoalmente, a Mikhail Gorbachev.
Em 2007, entra Vladimir Putin, que decide suspender a participação da Rússia no Tratado CFE, até que EUA e OTAN ratifiquem a Parte II do CFE. Washington nada fez, nada de nada; e passou quatro anos pensando sobre o que fazer. Agora, decidiu que nem falar falará (“Washington deixará de atender”, etc. etc.).
Não se metam na Síria
Moscou sempre soube, há anos, o que o Pentágono quer: Polônia, República Checa, Hungria, Lituânia. Mas o sonho da OTAN é completamente diferente: já delineado num encontro em Lisboa há um ano, o sonho da OTAN é converter o Mediterrâneo em “um lago da OTAN”.[2]
Em Bruxelas, diplomatas da União Europeia confirmam, off the record, que a OTAN discutirá, numa reunião chave no início de dezembro, o que fazer para fixar uma cabeça-de-praia muito próxima da fronteira sul da Rússia, para dali turbinar a desestabilização da Síria.
Para a Rússia, qualquer intervenção ocidental na Síria é caso resolvido de não-e-não-e-não absoluto. A única base naval russa em todo o Mediterrâneo Ocidental está instalada no porto (sírio) de Tartus.
Não por acaso, a Rússia instalou seu sistema de mísseis de defesa aérea S-300 – dos melhores do mundo, comparável ao Patriot, dos EUA – em Tartus. E é iminente a atualização para sistema ainda mais sofisticado, o S-400.
Mais importante: pelo menos 20% do complexo industrial militar russo enfrentaria crise profunda, no caso de perder seus assíduos clientes sírios.
Em resumo, seria suicídio, para a OTAN – para nem falar em Israel – tentar atacar a Síria por mar. A inteligência russa trabalha hoje sobre a hipótese de o ataque vir via Arábia Saudita. E vários outros países também sabem, com riqueza de detalhes, dessa estratégia de “Líbia remix”, da OTAN.
Vejam o caso, por exemplo, da reunião da semana passada, em Moscou, dos vice-ministros de Relações Exteriores dos países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)[3].
Os BRICS não poderiam ter sido mais claros: esqueçam qualquer tipo de intervenção externa na Síria; disseram, exatamente que “não se deverá considerar qualquer interferência externa nos negócios da Síria, que não esteja perfeitamente conforme o que determina a Carta das Nações Unidas”.[4]
Os BRICS também condenam as sanções extra contra o Irã (são “contraproducentes”) e qualquer possibilidade de algum ataque. A única solução – para os dois casos, Síria e Irã – é negociações e diálogo. Esqueçam a conversa de um voto da Liga Árabe levar a nova resolução, do Conselho de Segurança da ONU, de “responsabilidade de proteger”, responsibility to protect, R2P. Esqueçam.
O que temos aí é um terremoto geopolítico. A diplomacia russa coordenou, com outros países BRICS, um murro tectônico na mesa: não admitiremos qualquer tipo de nova intervenção dos EUA – seja “humanitária” ou a que for – no Oriente Médio. Agora, é Pentágono/OTAN versus os BRICS.
Brasil, Índia e China estão acompanhando tão de perto quanto a Rússia, o que a França – sob o comando do neonapolêonico Libertador da Líbia, Nicolas Sarkozy – e a Turquia, os dois países membros da OTAN, estão empenhados e fazer hoje, sem qualquer limite ou contenção, contrabandeando armas e apostando em uma guerra civil na Síria, ao mesmo tempo em que tudo fazem para impedir qualquer tipo de diálogo entre o governo de Asad e a oposição síria, essa, em frangalhos.
Alerta máximo nos gargalos
Tampouco é segredo dos BRICS que a estratégia de “reposicionamento” do Pentágono implica mal disfarçada tentativa de impor, no longo prazo, uma “negativa de acesso” à marinha chinesa expedicionária [ing. blue-water navy, capaz de operar em alto mar], em acelerada expansão.
Agora, o “reposicionamento” na África e na Ásia tem a ver, diretamente, com os gargalos. Não surpreende que três dos gargalos mais cruciais do mapa do mundo são questão de alta segurança nacional para a China, em termos do fluxo do suprimento de petróleo.
O Estreito de Hormuz é gargalo global crucial (por ali passam 16 milhões de barris de petróleo por dia, 17% de todo o petróleo negociado no planeta, mais de 75% do petróleo exportado para a Ásia).
O Estreito de Malacca é elo crucial entre o Oceano Índico e o Mar do Sul da China e o Oceano Pacífico, a rota mais curta entre o Golfo Persa e a Ásia, com fluxo de cerca de 14 milhões de barris de petróleo/dia.
E o Bab el-Mandab, entre o Chifre da África e o Oriente Médio, passagem estratégica entre o Mediterrâneo e o Oceano Índico, com fluxo de cerca de 4 milhões de barris/dia.
Thomas Donilon, conselheiro de segurança nacional do governo Obama tem repetido, insistentemente, que os EUA têm de “reequilibrar” a ênfase estratégica – do Oriente Médio, para a Ásia. Assim se explica boa parte do movimento de Obama, de mandar Marines para Darwin, no norte da Austrália, movimento já analisado em outro artigo para Al Jazeera[5]. Darwin é cidade bem próxima de outro gargalo – Jolo/Sulu, sudoeste das Filipinas.
O primeiro secretário-geral da OTAN, Lord ‘Pug’ Ismay, cunhou o famoso mantra segundo o qual a aliança Atlântica deveria “manter os russos fora, os americanos dentro e os alemães abaixo.” Hoje, o mantra da OTAN parece ser “manter os chineses fora e os russos abaixo”.
Mas o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro [ing. Full Spectrum Dominance] – estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS mas, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida , que rapidamente se vai convertendo, não só em bloco econômico mas, também, em bloco militar.
A doutrina da Dominação de Pleno Espectro implica centenas de bases militares e agora também de sistemas de mísseis de defesa (ainda não testados). O que também implica, crucialmente, a ameaça mãe de todas as ameaças: capacidade para lançar o primeiro ataque.
Pequim, pelo menos por hora, não tomou a expansão do Comando dos EUA na África, Africom, como ataque aos seus interesses comerciais, nem tomou o posicionamento de Marines na Austrália como ato de guerra.
Mas a Rússia – tanto no caso da expansão dos mísseis de defesa posicionados contra Europa e Turquia, como na atitude de “sem conversas” sobre o Tratado CFE, e posicionada já contra os planos da OTAN para a Síria – está-se tornando bem mais incisiva.
Esqueçam a conversa de Rússia e China, “competidores estratégicos” dos EUA, serem tímidos na defesa da própria soberania, ou dados a pôr em risco a própria segurança nacional. Alguém aí tem de avisar aqueles generais no Pentágono: Rússia e China não são, não, de modo algum, Iraque e Líbia.
NOTAS
[1] 23/11/2011, http://en.rian.ru/mlitary_news/20111123/168957689.html
[2] 25/11/2010, Pepe Escobar, “EUA: como criança em loja de doces da OTAN”, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2010/11/eua-como-crianca-em-loja-de-doces-da.html
[3] Sobre a mesma reunião e o mesmo Comunicado Conjunto, ver 25/11/2011, MK Bhadrakumar, “BRICS bloqueiam os EUA no Oriente Médio”, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/11/brics-bloqueiam-os-eua-no-oriente-medio.html [NTs].
[4] Em http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/comunicado-conjunto-por-ocasiao-da-reuniao-de-vice-ministros-de-relacoes-exteriores-do-brics-sobre-a-situacao-no-oriente-medio-e-no-norte-da-africa-2013-moscou-24-de-novembro-de-2011 (em inglês).
[5] 22/11/2011, Pepe Escobar, “Obama projects Pacific power”, em http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2011/11/20111121134858987329.html (em inglês).

Noventa e nove contra um

Ainda sem uma linha política muito bem definida, ocupação em Wall Street ganha cada vez mais adeptos contra o sistema financeiro e as corporações . 31/10/2011

Eduardo Campos Lima e Hugo Fanton de Nova York (EUA)


Mais de mil manifestantes acamparam no Parque Zuccotti,
no coração financeiro de Nova York - Foto: D.B.
“Este é o primeiro comunicado dos 99%. Estamos ocupando Wall Street”. No dia 17 de setembro, mais de mil manifestantes acamparam no Parque Zuccotti, no coração financeiro de Nova York. A declaração, feita no sítio que o grupo criou na internet (http://www.occupywallst.org/), lembrava que o parque havia sido rebatizado como Praça Liberdade. É lá que, desde então, estão reunidas milhares de pessoas de diversas idades, origens e classes sociais, expressando-se em uma só voz – a voz de uma multidão correspondente aos 99% de cidadãos estadunidenses mais pobres, contra 1% de multimilionários e corporações transnacionais.
Tudo começou em julho, quando uma organização canadense de luta contra o consumismo, a Adbusters, lançou uma convocação, pelas redes sociais da internet, para que se preparasse uma ocupação em Wall Street em setembro, inspirada nos protestos do Egito, Espanha e Oaxaca (México) e com duração de pelo menos dois meses. “Uma porção de militantes, artistas e estudantes nova-iorquinos que havia organizado uma assembleia geral em Nova York e conduzido uma ocupação próxima à prefeitura para combater os cortes orçamentários municipais começou a planejar uma ocupação seguinte em Wall Street”, conta Jeremy Brecher, historiador e autor de diversos livros sobre movimentos sociais e lutas operárias.
A meta inicial era que até 90 mil pessoas comparecessem ao protesto; como menos de dois mil manifestantes apareceram no primeiro dia, o movimento foi considerado um fracasso por muitos de seus opositores. Entretanto, dia após dia, novos participantes surgiam, o que fez com que a ocupação ganhasse cada vez mais força.

Economia
O protesto nasceu como uma resposta à crise financeira internacional deflagrada em 2008, cujos efeitos têm sido cada vez mais sentidos pela classe trabalhadora estadunidense. “A ocupação foi deflagrada pela recessão duradoura nos EUA, onde o desemprego já está perto dos 20%”, lembra David, professor em Nova York que tem acompanhado os protestos e milita em movimentos sociais desde os anos de 1960.
“O movimento também é, essencialmente, uma resposta à indignação generalizada diante dos presentes que o governo tem dado à indústria financeira, à aparente cumplicidade da administração Obama com tudo isso e ao fracasso das respostas da política convencional a esses problemas”, detalha Brecher.
Na Declaração da Ocupação da Cidade de Nova York, carta de princípios e objetivos publicada pelos participantes, destaca-se o caráter econômico das motivações. O texto ataca prioritariamente as grandes corporações, que “colocam o lucro acima das pessoas, interesses próprios acima da justiça e opressão acima da igualdade”.
Segue-se uma extensa lista de “crimes” praticados pelos grandes conglomerados econômicos, que inclui, entre outros tópicos, a execução de hipotecas por meio de processos judiciais ilegais, o que fez milhares de estadunidenses perderem suas casas; o grande endividamento de jovens estudantes de universidades; a terceirização da produção, com consequente desemprego e perda de direitos sociais; e a perpetuação de políticas colonialistas em todo o mundo, com participação direta em torturas e assassinatos.
Tendo como alvo a pequena minoria que detém boa parte do poderio econômico e que, mesmo em um mundo em crise, continua lucrando e obtendo benefícios ilimitados junto ao governo, os manifestantes voltam-se contra o capital de maneira geral. “A ideia de que 99% do país detém uma riqueza reduzida e que 1% possui aproximadamente 40% de toda a riqueza é obviamente um desafio ao capitalismo”, define David.

Política
O destinatário da carta de princípios é “o povo do mundo” – já que a atuação das grandes corporações não conhece limites nacionais. Com um inimigo que se estende por todo o globo e o sujeito da ação definido genericamente como “povo do mundo” – ou, em outro trecho da declaração, “todas as comunidades que tomem atitudes e formem grupos no espírito da democracia direta” – a ocupação nova-iorquina demonstra que sua agenda, neste momento, é abrangente demais para se constituir como um programa político mais claro.
“De maneira geral, comunga-se com a tendência de defender formas ‘horizontais’ de organização. A instância de deliberação é uma assembleia geral formada por qualquer pessoa que queira participar e há numerosos comitês formados por voluntários”, explica Brecher. Segundo o professor David, pode-se definir o movimento, em termos políticos, como radical, em oposição ao termo “esquerdista”. Ele afirma que a participação de socialistas e comunistas tem sido irregular, mas está aumentando gradativamente. “Um dos problemas é que o Ocupe Wall Street é bem grande, com 5 mil pessoas durante o dia, talvez, mas a esquerda organizada é bem pequena. Contudo, a esquerda, fraca como está, é, acredito, o único grupo capaz de apontar a direção da classe trabalhadora para as ocupações”, analisa.
Com objetivos amplos e sem uma estratégia muito bem definida, o momento atual ainda é “pré-político”, na opinião de David. Um dos indícios são as críticas morais ao capital que embasam o discurso da manifestação – no qual se repetem ataques à “ganância do setor financeiro” e à “corrupção dos mais ricos”. “Essas críticas são definitivamente morais, no sentido de que são distintas de críticas políticas”, argumenta.

Sindicatos

O protesto nasceu como uma resposta à crise
financeira internacional deflagrada em 2008 - Foto: D.B.
Para Paul Buhle, professor aposentado da Universidade Brown e ativista de movimentos sociais desde os anos 1960, o movimento é tão espontâneo que nenhuma organização em nível nacional é provável, ou mesmo desejável, no atual estágio. “Há um diálogo nacional entre os manifestantes e, por meio do Facebook, um senso de organização. Talvez nada, além disso, seja possível para o momento”.
Presente a uma assembleia recente da ocupação, Buhle conta que a discussão que acompanhou se dava em torno de assuntos relacionados à logística e à organização prática das coisas, não havendo nenhum debate propriamente ideológico. “Por ora, isso parece bem adequado”.
David e Buhle lembram, entretanto, que a evolução dos acontecimentos, nos últimos dias, pode apontar para possíveis soluções. Michael Bloomberg, o bilionário prefeito republicano de Nova York, havia ordenado uma retirada “temporária” dos ocupantes da Praça Liberdade para que a área fosse limpa.
“Na verdade, o lugar está razoavelmente limpo. Entretanto – e isso é crucial –, a AFL-CIO [American Federation of Labor- Congress of Industrial Organizations, ou Federação Estadunidense do Trabalho-Congresso de Organizações Industriais, coligação das duas maiores centrais sindicais estadunidenses] chamou seus membros para defender o local e evitar a expulsão”, relata David. “Foi um passo incrivelmente importante e representa um salto qualitativo. Uma porção do setor organizado da classe trabalhadora tomou a responsabilidade de defender a área”, avalia.
Na opinião de Paul Buhle, o apoio dos trabalhadores organizados certamente evitou o ataque da polícia. “Essa é a resposta para a questão da relação entre manifestantes e classe trabalhadora. Quando os sindicatos participam, são cruciais”, conclui.

História
A ocupação em Wall Street, constituída, desde o início, com um caráter internacionalista, já se espalhou por 1.868 cidades no mundo inteiro (de acordo com último acompanhamento, feito em 17 de outubro). As movimentações foram registradas em todos os continentes e continuam em expansão.
A quantidade de pessoas envolvidas já é o suficiente para colocar a atual onda de protestos entre as mais importantes dos EUA desde os anos 1960 e 1970. Ao lado das passeatas e concentrações ocorridas em Madison (estado de Wisconsin), no primeiro semestre de 2011 (onde o movimento continua em curso), as ocupações demonstram um vigor militante comparável ao da Nova Esquerda e ao da luta pelos direitos civis de então. “Não se vê algo assim nos Estados Unidos, provavelmente, desde os anos 1930”, acredita o professor David.
O clima da ocupação lembra muito o dos protestos dos anos 1960, de acordo com o relato de militantes que viveram os dois momentos. “A própria ocupação me lembra, ao vê-la da parte de fora, dos protestos May Day em Washington, em 1971 [quando ocorreram séries de atos contra a Guerra do Vietnã na capital estadunidense]. Há uma desordem premeditada e alegre”, compara David.
A natureza das demandas e motivações do movimento e a recente aliança com sindicatos, entretanto, são sinais de que há a possibilidade de grandes avanços. “Embora as ocupações tenham sido organizadas por elementos da pequena burguesia, elas receberam amplo apoio da classe trabalhadora organizada. Diferentemente dos anos de 1960, a rebelião daquilo que os estadunidenses gostam de chamar de ‘classe média’ corresponde a uma crise na classe trabalhadora, o que torna bem maior o potencial de ação para a esquerda”, pondera o professor.
Junta-se a isso o fato de que os sindicatos, de maneira geral, têm procurado ampliar sua base de colaboração para além dos seus círculos de apoio tradicionais, conforme lembra Paul Buhle. “Ainda não se pode tentar prever a significância histórica do atual movimento em longo prazo. O que se pode dizer é que a situação imediata nos EUA foi significativamente transformada por ele. Até agora, os EUA viveram décadas de uma luta de classes unilateral. O movimento de Madison e o Ocupe Wall Street representam o começo da transformação da luta em uma questão com dois lados envolvidos”, define Brecher.
Com o lema “Somos os 99%”, os ocupantes de Wall Street (e de tantas outras ruas e praças do mundo todo) têm conseguido tirar milhares de pessoas da apatia política, direcionando diferentes necessidades e desejos para uma luta contra o capitalismo. “Apesar da ausência de declarações formalmente ideológicas, um ponto fica claro em todo lugar: trata-se de 99% contra 1%, todo mundo contra os capitalistas ricos”, define Buhle.

Seg, 2011-10-31 10:07 — Publicado no Jornal BRASIL DE FATO.

“Neste exato momento, há muito barulho. E esse barulho é bom”

Sociólogo estadunidense aponta os desafios do movimento “Ocupe Wall Street”

31/10/2011

Eduardo Sales de Lima
da Redação


Estadunidenses em Wall Street: crises do sistema financeiro
e do próprio capitalismo impulsionam a luta popular - Foto: Bob Jagendorf/CC
“Ocupe Wall Street” (OWS) completou um mês em 17 de outubro. De 5 a 20 mil pessoas já chegaram a ocupar uma praça a 300 metros do coração financeiro estadunidense – e mundial –, a Praça da Liberdade.
Alimentos, cobertores, sacos de dormir, suprimentos de higiene. A população que não participa diretamente da ocupação contribui com doações. Até óculos de natação para proteger os manifestantes de ataques com spray de pimenta da polícia apareceram.
O estadunidense viu-se forçado a enfrentar a nova realidade do desemprego e da falta de perspectiva. As crises do sistema financeiro e do próprio capitalismo também servem de mote para a luta popular que surge não apenas em Nova York, mas em cidades como Washington, Boston, São Francisco, Filadélfia e Chicago.
O sociólogo Asher Dupuy-Spencer, ativista estadunidense envolvido diretamente no Ocupe Wall Street (OWS), nos dá seu testemunho e opinião acerca das últimas manifestações populares. “Neste exato momento, há muito barulho. E esse barulho é bom. Ele está atraindo atenção e novos participantes. O objetivo, entretanto, é que isso ganhe um caráter político” aponta Asher, que também faz parte de um movimento para repensar a esquerda estadunidense no âmbito da crise financeira mundial.

Brasil de Fato – As manifestações em outras cidades dos Estados Unidos seguem a mesma linha que a “Ocupe Wall Street”?
Asher Dupuy-Spencer – Agora, nesta etapa do movimento, o resto dos Estados Unidos – e com isso eu quero dizer todas as outras cidades que começaram suas próprias ocupações – parece seguir as pegadas do OWS. Isso coloca o movimento de Nova York numa posição especial com relação à situação política em outras partes do país. Ao passo que os protestos crescem e as ações se sucedem, temos razões para acreditar que as pessoas de todo o país serão influenciadas por isso e, com toda a probabilidade, seguirão o exemplo. Por outro lado, elementos progressistas e organizações como moveon.org parecem estar desempenhando um papel muito maior nessas outras cidades. O sucesso do movimento como um todo dependerá de sua habilidade para forjar um caminho independente em relação à ala esquerda do Partido Democrata. Cooptar seria muito mais difícil, eu ouso dizer impossível, em Nova York.

No geral, os protestos emergem contra a dominação das grandes corporações e do sistema financeiro sobre a política?
É importante entender como esse movimento emergiu se nós quisermos entendê-lo, porque ainda não existem demandas claras. É um movimento social que surgiu não por causa de uma disciplinada agitação de grupos políticos ou organizadores, mas a partir de um descontentamento básico. Poderíamos dizer que o movimento emergiu organicamente a partir de condições objetivas das vidas das pessoas: alto índice de desemprego, rendas estagnadas, falta de qualquer tipo de segurança no emprego e um senso de que a distribuição da renda e ativos não é justa. Esse conjunto de queixas pode prestar-se bem à consciência social democrata e a um movimento de reformas. Entretanto, a maior parte das pessoas envolvidas no movimento tem pouca fé que os Estados Unidos (pelo menos dentro de sua formação governamental atual) tenha o poder ou o desejo de negociar a pauta das queixas mencionadas. Isso tem gerado uma posição bastante radical dentro do OWS. Enquanto não há estrutura organizacional no OWS capaz de auxiliar no foco político, há uma crença geral de que existe “poder” simplesmente no ato de reunir-se e discutir questões, de que existe poder real quando se está apto a ocupar os espaços. Essas ideias podem ter seus próprios limites, mas, no momento, elas são mais radicais do que as maiores agendas de reformas que eu consigo imaginar e são uma boa opção para o OWS, que está só no seu começo.

As manifestações do OWS podem ser consideradas como a mais importante insurreição popular contra o capitalismo em sua fase neoliberal, se é que se pode falar nesses termos?
Essa é uma questão difícil de responder. Quando os Estados Unidos espirra, todo o mundo pega um resfriado. Como hegemonia atual, o significado desse movimento não deve ser subestimado. Eu acho que qualquer avaliação de sua relativa importância terá de ser feita muito mais para frente.

Qual o peso da insatisfação popular em relação ao governo de Barack Obama?
Eu diria que há uma desilusão generalizada com Obama, ou pelo menos com sua capacidade para gerar mudança. Pouquíssimas pessoas têm alguma fé nele. Não digo com isso que a vasta maioria das pessoas que participam do OWS não votaria nele, mas isso se dará muito mais em função do fato de a direita parecer bastante assustadora. Os candidatos estão competindo essencialmente para ver quem gerará a mais severa austeridade.

O sistema financeiro criou uma lógica incompreensível para o cidadão comum. Mas quando a crise atingiu os direitos sociais, tal situação forçou o questionamento?
Certamente os complexos instrumentos de dívida e as intrincadas relações entre as instituições financeiras estão além da compreensão do cidadão médio. O fato de que as altas finanças ocupem uma posição especial em nossa economia e que tenham sido capazes de garantir sua parte no crescimento econômico da última década passada se insere totalmente dentro da compreensão de todos os manifestantes e qualquer estadunidense. Surgiu, a partir desse fato, uma compreensão intuitiva de injustiça e o sentimento de que desejávamos e precisávamos lutar contra um sistema que tão claramente não estava gerando nada que se aproximasse de uma vida decente que as pessoas sentem que merecem.
As pessoas não são tolas, embora, às vezes, possam ser enganadas. Qualquer um com quem você converse na rua sabe que o sistema opera em prol de uma pequena minoria e eles sabem que a segurança do emprego já está bem difícil de passar por aqui. Muitos veem isso simplesmente como se fosse culpa da má administração financeira ou política. Entretanto, dentro do movimento aumenta a compreensão de que é o capitalismo que deve ser o culpado pelos altos níveis de desigualdade e pela quebra da estabilidade do emprego. Por fim, se esse movimento gerar sucesso, precisará criar uma análise que aborde a estrutura do próprio sistema capitalista. Essa análise não existe ainda dentro do OWS.

O que esse movimento herdou de outras experiências de manifestações populares do século passado? O que há de novidade?
Esse movimento parece com a Nova Esquerda dos anos 1960 e 1970 por sua inspiração. Ele também se parece com o movimento antiglobalização. A diferença é que a Nova Esquerda tinha uma educação política herdada da velha esquerda marxista. Os radicais de 1960-70 não eram capazes, ou não estavam dispostos, de trabalhar para trazer o movimento operário. Hoje nós vemos um movimento operário em declínio mas que está querendo jogar seu peso na luta. O Parque Zuccoti está cheio de diversos tipos de trabalhadores de várias organizações de Nova York. E o OWS tem se lançado ao trabalho da luta também. Recentemente, ativistas do OWS interromperam leilões [de arte] do Sothebys em apoio aos sindicalistas do Teamsters [Union], que estavam trancados do lado de fora. Há também fortes relações se desenvolvendo entre ativistas da OWS e militantes de dentro da MTA (trabalhadores do trânsito, metrôs).
Não há partidos ou organizações que parecem ser capazes de unificar o movimento e dar a ele uma voz política mais uníssona. Sua força permite manter-se em crescimento. Mas o movimento precisará institucionalizar-se de alguma forma se quiser reproduzir-se mais além de projetar sua força coerentemente. A habilidade do OWS de obter sucesso a qualquer medida dependerá de como se organiza. Neste exato momento, há muito barulho. E esse barulho é bom. Ele está atraindo atenção e novos participantes. O objetivo, entretanto, é que isso ganhe um caráter político. O papel dos militantes dentro do movimento, aqueles que têm experiência política e organizacional, é pegar esse barulho e fazer disso, política. Logo, nós precisaremos começar a pensar sobre qual tipo de mundo nós queremos e que tipo de demanda pode nos levar até lá. Pelo momento, só podemos nos certificar que ele [OWS] ainda ocorrerá amanhã.

Seg, 2011-10-31 10:07 — Publicado no Jornal BRASIL DE FATO.


Khadafi morreu combatendo
com dignidade e coerência

Khadafi afirmou que resistiria e lutaria com o seu povo até à morte
Imperialismo discute já a partilha da Líbia
Texto de Miguel Urbano Rodrigues
A foto divulgada pelos contra-revolucionários do
CNT elimina dúvidas: Muamar Khadafi morreu.

Notícias contraditórias sobre as circunstâncias da sua morte correm o mundo, semeando confusão. Mas das próprias declarações daqueles que exibem o cadáver do líder líbio transparece uma evidência: Khadafi foi assassinado.
No momento em que escrevo, a Resistência líbia ainda não tornou pública uma nota sobre o combate final de Khadafi. Mas desde já se pode afirmar que caiu lutando.
As mídia a serviço do imperialismo principiaram imediatamente a transformar o acontecimento numa vitória da democracia, e os governantes dos EUA e da União Europeia e a intelectualidade neoliberal festejam o crime, derramando insultos sobre o último chefe de Estado legítimo da Líbia.
Essa atitude não surpreende, mas o seu efeito é oposto ao pretendido: o imperialismo exibe para a humanidade o seu rosto medonho.
A agressão ao povo da Líbia, concebida e montada com muita antecedência, levada adiante com a cumplicidade do Conselho de Segurança da ONU e executada militarmente pelos EUA, a França e a Grã-Bretanha deixará na História a memória de uma das mais abjectas guerras neocoloniais do início do século XXI.
Quando a NATO começou a bombardear as cidades e aldeias da Líbia, violando a Resolução aprovada sobre a chamada Zona de Exclusão aérea, Obama, Sarkozy e Cameron afirmaram que a guerra, mascarada de «intervenção humanitária», terminaria dentro de poucos dias. Mas a destruição do país e a matança de civis durou mais de sete meses.
Os senhores do capital foram desmentidos pela Resistência do povo da Líbia.
Os «rebeldes», de Benghazi, treinados e armados por oficiais europeus e pela CIA, pela Mossad e pelos serviços secretos britânicos e franceses fugiam em debandada, como coelhos, sempre que enfrentavam aqueles que defendiam a Líbia da agressão estrangeira.
Foram os devastadores bombardeamentos da NATO que lhes permitiram entrar nas cidades que haviam sido incapazes de tomar. Mas, ocupada Tripoli, foram durante semanas derrotados em Bani Walid e Sirte, baluartes da Resistência.
Nesta hora em que o imperialismo discute já, com gula, a partilha do petróleo e do gás líbios, é para Muamar Khadafi e não para os responsáveis pela sua morte que se dirige em todo o mundo o respeito de milhões de homens e mulheres que acreditam nos valores e princípios invocados, mas violados, pelos seus assassinos.
Khadafi afirmou desde o primeiro dia da agressão que resistiria e lutaria com o seu povo ate à morte.
Honrou a palavra empenhada. Caiu combatendo.
Três Khadafis diferentes.
Que imagem dele ficará na História? Uma resposta breve à pergunta é hoje desaconselhável, precisamente porque Muamar Khadafi foi como homem e estadista uma personalidade complexa, cuja vida reflectiu as suas contradições.
Três Khadafis diferentes, quase incompatíveis, são identificáveis nos 42 nos em que dirigiu com mão de ferro a Líbia.
O jovem oficial que em l969 derrubou a corrupta monarquia Senussita, inventada pelos ingleses, agiu durante anos como um revolucionário. Transformou uma sociedade tribal paupérrima, onde o analfabetismo superava os 90% e os recursos naturais estavam nas mãos de transnacionais americanas e britânicas, num dos países mais ricos do mundo muçulmano. Mas das monarquias do Golfo se diferenciou por uma política progressista. Nacionalizou os hidrocarbonetos, erradicou praticamente o analfabetismo, construiu universidades e hospitais; proporcionou habitação condigna aos trabalhadores e camponeses e recuperou para uma agricultura moderna milhões de hectares do deserto graças à captação de águas subterrâneas.
Essas conquistas valeram-lhe uma grande popularidade e a adesão da maioria dos líbios. Mas não foram acompanhadas de medidas que abrissem a porta à participação popular. O regime tornou-se, pelo contrário, cada vez mais autocrático.
Exercendo um poder absoluto, o líder distanciou-se progressivamente nos últimos anos da política de independência que levara os EUA a incluir a Líbia na lista negra dos estados a abater porque não se submetiam. Bombardeada Tripoli numa agressão imperial, o país foi atingido por duras sanções e qualificado de «estado terrorista».
Numa estranha metamorfose surgiu então um segundo Khadafi. Negociou o levantamento das sanções, privatizou empresas, abriu sectores da economia ao imperialismo. Passou então a ser recebido como um amigo nas capitais europeias. Berlusconi, Blair, Sarkozy, Obama, Sócrates receberam-no com abraços hipócritas e muitos assinaram acordos milionários, enquanto ele multiplicava as excentricidades, acampando na sua tenda em capitais europeias.
Na última metamorfose emergiu com a agressão imperial o Khadafi que recuperou a dignidade.
Li algures que ele admirava Salvador Allende e desprezava os dirigentes que nas horas decisivas capitulam e fogem para o exílio.
Qualquer paralelo entre ele e Allende seria descabido. Mas tal como o presidente da Unidade Popular chilena, Khadafi, coerente com o compromisso assumido, morreu combatendo. Com coragem e dignidade.
Independentemente do julgamento futuro da História, Muamar Khadafi será pelo tempo afora recordado como um herói pelos líbios que amam a independência e liberdade. E também por muitos milhões de muçulmanos.
A Resistência, aliás, prossegue, estimulada pelo seu exemplo.

Publicado no Jornal AVANTI, de Portugal. Edição de 27 de Outubro de 2011.


A profecia do encontro de Assis

partir apenas de encontros de cúpula, sem participação direta das bases.
31/10/2011    -    Marcelo Barros

Tanto na nossa experiência cotidiana, quanto na tradição bíblica, comumente a profecia surge de quem está à margem das instituições e não de quem tem a função de governá-las. Por isso mesmo, precisamos valorizar a iniciativa profética do papa Bento XVI em convidar líderes religiosos das mais diversas tradições espirituais e até homens e mulheres não crentes para, nesta quinta-feira, 27, viverem juntos um dia de reflexão e de meditação sobre a paz e a justiça, em Assis. O papa fez isso para recordar os 25 anos do primeiro encontro desse tipo, promovido pelo papa João Paulo II. Em 27 de outubro de 1986, em Assis, o papa reuniu em um encontro de oração mais de 200 representantes das mais diversas tradições espirituais. Na época, João Paulo II enfrentou pressões dentro do próprio Vaticano contra essa iniciativa. Ele a defendeu explicando que era um modo de motivar as religiões para se empenharem mais pela causa da paz e da justiça, que não é um assunto só social e político, mas profundamente espiritual.
Agora, no atual contexto da Igreja e do mundo, retomar essa iniciativa deve ter sido mais difícil ainda para o papa Bento XVI. Em um recente pronunciamento à imprensa, publicado pelo Observatore Romano, o próprio secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Bertone, ao explicar o sentido desse encontro interreligioso em Assis, levou mais tempo em falar dos riscos do relativismo religioso e do sincretismo que esse encontro precisa evitar, do que propriamente dos valores positivos do encontro.
Vamos falar claro: sem dúvida, o ecumenismo e o diálogo entre as religiões dificilmente avançarão a partir apenas de encontros de cúpula, sem participação direta das bases. Também devemos reconhecer: esta forma de encontro proposto pelo papa ainda é muito tímida: os/as representantes das diversas religiões se reúnem no mesmo lugar (a basílica de São Francisco) para orar, mas oram separadamente. Entretanto, seja como for, o gesto do papa em convocar esse encontro e coordenar essa jornada inter-religiosa pela paz e pela justiça é sim uma profecia para as Igrejas e para o mundo atual.
Em primeiro lugar, não teria sentido o papa convidar os líderes de outras religiões para orar, se ele pensasse que essas religiões não valem nada e que sua oração é inútil ou até errada. Ao convidar pastores evangélicos, patriarcas orientais e chefes de outras religiões, como o Dalai Lama, o grande rabino de Jerusalém, sheiks muçulmanos, líderes de tradições africanas e de outras tradições espirituais, para refletir juntos sobre a paz e estar juntos para orar, o papa faz um gesto de reconhecimento do valor espiritual dessas religiões e testemunha que é importante uni-las a serviço da paz e da justiça. Este dia de encontro de oração em Assis revela que, cristãos e não cristãos, são chamados a viver sua fé em um mundo pluralista e na convivência com outras formas de expressar a fé. Essa convivência não põe em risco nossa identidade, mas ao contrário, enriquece nossa espiritualidade. É esta a profecia contida nesse gesto de Assis. Embora limitado pelas conveniências diplomáticas do poder religioso e ainda tentado pelo medo de ousar mais em nome da fé, esse gesto do papa antecipa a possibilidade de que as tradições espirituais do mundo se unam para trabalhar efetivamente pela paz e pela justiça. Orar pela paz e pela justiça pode levar os religiosos a ajudar a humanidade a compreender que, para vencer as violências, as guerras e as injustiças, precisamos organizar o mundo de outro modo e a partir de outros critérios que não sejam o lucro e a competitividade. A Jornada inter-religiosa pela paz e pela justiça que neste 27 de outubro o papa Bento XVI coordena em Assis nos chama todos nós a sermos, como os líderes religiosos reunidos neste dia, “peregrinos da verdade, peregrinos da paz”.

Marcelo Barros é monge beneditino

  
CNBB lança nota contra criminalização das Organizações da Sociedade Civil.
   A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou na quarta-feira (30) uma nota em favor das Organizações da Sociedade Civil (OSC). Na carta a organização religiosa reconhece a contribuição das OSC e aponta que “o combate à corrupção e ao desvio é obrigação de todos. Casos isolados de ilícitos não podem ser utilizados para desmoralizar o conjunto das organizações sociais ou sacrificar a maioria de entidades idôneas: deve-se erradicar o joio sem, com isso, destruir o trigo (cf. Mt 13, 24 ss)”. Confira à integra o documento:
“Nota da CNBB sobre situação das Organizações da Sociedade Civil.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB reconhece a grande contribuição das Organizações da Sociedade Civil na construção de uma sociedade democrática, justa e solidária, em consonância com o previsto na Constituição Federal, especialmente nos artigos 194 e 204.
As diretrizes pastorais da Igreja no Brasil conclamam as comunidades e demais instituições católicas a colaborar e agir em parceria com outras instituições privadas ou públicas, com os movimentos populares e outras entidades da sociedade civil, no sentido de contribuir democraticamente na implantação e na execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a promoção da vida e do bem comum.
Medidas tomadas pelo Governo Federal, no intuito de melhorar a gestão pública e combater a corrupção, têm aumentado a burocracia tanto para o próprio Governo quanto para as Organizações da Sociedade Civil, com o estrangulamento destas, seja pelos crescentes custos administrativos seja pela diminuição dos recursos repassados.
Vimos com esperança o compromisso assumido publicamente pela então candidata a Presidente Dilma Roussef de “elaborar, com a maior brevidade possível, no prazo máximo de um ano, uma proposta de legislação que atenda de forma ampla e responsável, as necessidades de aperfeiçoamento que se impõem, para seguirmos avançando em consonância com o projeto de desenvolvimento para o Brasil”. Não obstante, o que se percebe é uma série de iniciativas e decisões governamentais que pioraram a situação existente. Recentes atos, como a suspensão unilateral de desembolsos de convênios, determinada pelo Decreto 7592/2011, ampliaram as incertezas e inseguranças das entidades supracitadas, gerando desequilíbrios crescentes para Organizações da Sociedade Civil.
O combate à corrupção e ao desvio é obrigação de todos. Casos isolados de ilícitos não podem ser utilizados para desmoralizar o conjunto das organizações sociais ou sacrificar a maioria de entidades idôneas: deve-se erradicar o joio sem, com isso, destruir o trigo (cf. Mt 13, 24 ss).
O crescimento de restrições, condicionalidades e regras burocráticas de gestão e de prestação de contas tem significado, ao longo do tempo, um acréscimo importante nos custos das entidades que têm, cada vez mais, dificuldades para assegurar o atendimento de todas as demandas.
Percebemos um perigoso esvaziamento da capacidade destas organizações. Poucas poderão sobreviver com vigor, criatividade e autonomia política e social em condições adversas. Ao longo do tempo, isto debilita o tecido social e desmotiva a cidadania. O que está em jogo é a democracia brasileira, pela qual tantos já se sacrificaram.
Entramos no Advento, tempo de esperança renovada. Que esta seja uma época propícia para que nossos dirigentes realizem um esforço extraordinário de superação destes desafios e dificuldades.
Brasília, 30 de novembro de 2011.
 Link: www.unipop-brasil.blogspot.com,     Fonte: CNBB - www.cnbb.org.br,   
    
A verdade do traidor
Anselmo e a delação detalhada por escrito.
Resumo Documentos reunidos por entidade que tentam resgatar a memória dos anos de chumbo mostram com riqueza de detalhes informações que cabo Anselmo, o mais notório militante da esquerda a mudar de lado, reuniu sobre a luta armada e entregou à ditadura. Relatórios a que a Folha teve acesso incluem textos do próprio "cachorro", escritos com estilo quase jornalístico.
LAURA CAPRIGLIONE

No dia 7 de maio de 2008, a então ministra da Casa Civil do governo Lula, Dilma Rousseff, foi confrontada pelo senador José Agripino Maia (DEM-RN) em audiência no Senado. Para sugerir que ela mentia a respeito de um dossiê secreto sobre desafetos do petismo, produzido no seio do governo federal, Maia argumentou que a ministra, ex-guerrilheira, já havia faltado com a verdade antes, ao ser presa pela ditadura militar.
Dilma lembrou que tinha então 19 anos, ficou três anos na cadeia e foi "barbaramente" torturada. "Qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para interrogadores compromete a vida de seus iguais, entrega pessoas para serem mortas", prosseguiu. "Eu me orgulho muito de ter mentido, porque mentir na tortura não é fácil. Agora, na democracia, se fala a verdade."
Vinte e seis anos após o fim da ditadura, quando o Brasil se prepara para instaurar sua Comissão da Verdade, destinada a apurar violações de direitos humanos cometidas pelo Estado naquele período, é revelador ler relatórios, detalhados e coloridos, em bom português e com estilo quase jornalístico, de alguém que resolveu (e orgulha-se disso) "falar a verdade" nos anos de chumbo.
A Folha teve acesso a quase uma centena de documentos daquele período sobre o ex-marinheiro José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo -vários escritos por ele mesmo-, que entrou para a história como o mais famoso dos "cachorros", como eram chamados os militantes de esquerda que passavam a atuar como espiões para os órgãos de segurança.
Os relatórios foram coligidos pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, entidade que tenta resgatar a memória do período de 1964 a 85, quando sucessivos governos militares assenhoraram-se do poder no Brasil. Saídos dos arquivos da repressão, de órgãos como o Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops) e os centros de informações do Exército (CIE) e da Marinha (Cenimar), são instantâneos dramáticos da história enquanto ela era escrita.
O CARA Bom de discurso, carismático, Anselmo foi "o cara" nos tempos irados que marcaram o fim do governo João Goulart (1961-64). Era então presidente da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Depois, ainda envolto na aura mística de líder sindical de massas, virou guerrilheiro quando parte da esquerda nativa embarcou no sonho heavy metal de derrubar a ditadura pela via das armas. Preso, em 1971, Anselmo -que nunca chegou a cabo, mas recebeu a alcunha por um mal-entendido com suas insígnias militares- tornou-se um traidor.
Chegou a se vangloriar de ter fornecido à repressão informações que levaram à morte 200 militantes. Seguro é que as delações de Anselmo permitiram à polícia liquidar pelo menos 11 "inimigos do regime", entre os quais sua própria mulher, a "sensível", "loira", "esguia", "de olhos azuis", "simpática" e poeta (assim designada por ele mesmo, qual namorado apaixonado) Soledad Barrett Viedma, então com 28 anos, grávida de um filho seu, gestação de quatro meses.
Os documentos sobre ele, reunidos em pesquisa capitaneada pelo ex-guerrilheiro e ex-preso político Ivan Seixas, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, estão repletos de descrições como essas, numa pilha de 20 centímetros de altura.
Todos produzidos em máquinas de escrever, nenhum manuscrito, vários papéis contêm o testemunho do próprio cabo Anselmo no ato da delação, ainda sem se preocupar com o acerto de contas com a história (hoje, aos 69 anos, Anselmo diz que lutava "para salvar o Brasil do comunismo"). Como método, o detalhe e a precisão.
NAMORADA O destinatário dos textos caprichosamente datilografados era o delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-79), do Dops de São Paulo, notório torturador de presos políticos, o mais bem-sucedido caçador de inimigos do regime -foi ele quem montou a operação que liquidou Carlos Marighella (1911-69), um dos principais ideólogos da luta armada.
A ele Anselmo entregou um relato biográfico sobre Soledad, codinome Lurdes del Sol, sua namorada, no texto com o sugestivo título de "Relatório de Paquera", de novembro-dezembro de 1971.
"Lurdes (del Sol) é filha de um chefão do PC paraguaio", ele escreveu. "Desde a infância fazia trabalhos de militância. Passou à Argentina, viveu no Uruguai e depois, por volta de 1965/66, viajou a Moscou, onde cursou marxismo-leninismo como bolsista da Universidade Patrice Lumumba. Enjoou dos russos, separou-se do pai, que, segundo disse, colocou a polícia em sua pista por militar na Argentina e ser contrária à linha do Partido a que ele pertencia."
Anselmo contou ainda que, em 1967, a moça encontrou os cinco irmãos, "na Alemanha ou na Argentina", e eles lhe propuseram que fossem juntos a Cuba treinar guerrilhas. Lá, ela conheceu o brasileiro José Maria Ferreira de Araújo, o Ariboia, também militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
"Casaram-se, enfrentando todas as pressões cubanas em contrário. Cada irmão pertence a uma das facções do PC paraguaio. E ela agora é uma simpática aventureira, ligada emocionalmente à VPR. Seu fim: servir à 'Revolução'. 'Revolução' indefinida, contra o imperialismo ianque e soviético, contra Cuba, contra os PCs tradicionais, ao lado das guerrilhas. Anarquismo total para o mês que vem."
Segue o relato de Anselmo para Fleury: "Lurdes está treinada para o trabalho de cidade, conhece explosivos e fala português, russo e espanhol, além de guarani. É loura, esguia, olhos azuis, aproximadamente 1,80 m. Escreve poesias revolucionárias que nunca publicou. É extremamente sensível. Estou muito ligado afetivamente a ela. Mais, no entanto, prezo o que estou reconquistando. Caso seja possível, caso seja possível desejar, que sua solução final fosse a expulsão do Brasil, ou pelo menos, não fosse extrema".
O que estava "reconquistando" o traidor que não sabia nem se tinha direito a desejar algo? Ele não diz.
Fleury massacraria Soledad dois anos depois, em emboscada armada pelo próprio Anselmo na cidade de Paulista (PE), na qual foram mortos seis membros da VPR.
CONFIDENCIAL Anselmo ensinou à repressão tudo o que havia aprendido em Cuba, transformada na época em polo exportador de revolução. Provém dele boa parte das informações contidas no relatório do Centro de Informações do Exército de 13 de novembro de 1973, em que se arrolam os nomes de 204 esquerdistas que fizeram cursos de guerrilha na ilha de Fidel Castro.
O "relatório confidencial" distribuído aos departamentos da repressão parece à primeira vista a lista de matrícula de uma faculdade. Linha por linha, lê-se o nome real de cada militante, os codinomes que usava, as organizações a que era ligado, os cursos que fez em Cuba. Esses podiam ser de armamento, fotografia, imprensa, enfermagem, inteligência, instruções revolucionárias, explosivos.
Constam entre os "alunos" dessa "Universidade da Guerrilha", segundo o CIE, o hoje militante do PV Fernando Gabeira, o petista Carlos Minc e os ex-ministros José Dirceu e Franklin Martins.
Anselmo escreve a Fleury que foi enviado a Cuba por uma organização criada por Leonel Brizola no seu exílio uruguaio, o MNR ou Morena (Movimento Revolucionário Nacionalista, às vezes apresentado como Movimento Nacionalista Revolucionário), para "aprender as táticas de guerrilha". Brizola levou a sério (por pouco tempo, é verdade) a hipótese de uma reação armada à ditadura militar.
Em outro relatório para a polícia, sem nome ou data, Anselmo contou como fez a viagem a Cuba, em típico enredo de livro de espionagem (gênero literário pelo qual, aliás, ele confessa sua admiração).
"Em fevereiro de 1967, após receber um passaporte e os necessários meios financeiros, roteiro de viagem, o dia e a companhia aérea que devia usar, [com Evaldo, ex-marinheiro] segui de navio para a Argentina. [Lá], compramos passagem pela Air France para Paris, onde nos esperava Max da Costa Santos, que nos orientou a viajar para a Tchecoslováquia. Devolvemos os passaportes e viajamos pela companhia Cubana de Aviación para Cuba com papéis que nos foram dados pela embaixada cubana."
Sobre a experiência em Cuba, onde permaneceu até setembro de 1970, Anselmo relata: "Instrutores militares ensinaram-nos a atirar, limpar armas e tática guerrilheira, práticas de defesa de acampamentos, confecção de armadilhas, trabalho com explosivos, confecção de minas, identificação de sons, cálculo de distâncias, orientação, codificação de mensagens".
Ele aprendeu ainda a escrever com tinta invisível (com urina, no verso de cartas falsas: bastava expor a mensagem a uma fonte de calor, como um ferro elétrico ou uma lâmpada, e a urina escurecia, permitindo a visualização do recado secreto), a enviar textos em fotogramas de filmes analógicos não revelados (se o militante fosse pego, bastaria abrir o filme; a exposição ao sol apagaria a mensagem) e a programar pontos de encontro entre militantes com senhas e contrassenhas, de modo a lhes garantir a segurança.
Rotina dura, segundo Anselmo. "Recebemos fardamento, armas e mochilas do Exército cubano e fomos levados à região central de Las Villas, para três meses de treinamento de guerrilha. Além dos brasileiros, havia no grupo cinco uruguaios. Depois da primeira semana, começaram as desistências por enfermidade, indisciplina (com os pés rachados, alguns se recusaram a caminhar). Foram separados. Ficariam num quartel até que os cubanos e as organizações que os haviam mandado ali decidissem o que fazer."
'RECESSO' Segundo o relatório, a intensidade do treinamento e a rigidez dos instrutores fizeram com que se deteriorasse a "unidade do grupo". "Só restava um uruguaio. Entre os brasileiros havia desistências. Em outubro [de 1967], soubemos da queda de Che Guevara. O treinamento entrou em franco recesso. Não havia mais o interesse anterior. [...] Pouco depois, entrei em choque com o encarregado do treinamento. Fui isolado num quartel até fins de janeiro."
Houve mais problemas entre Anselmo e os cubanos. Ele diz que pediu para trabalhar e estudar. "Não nos foi permitido, não tínhamos nenhum documento e nem por iniciativa própria poderíamos fazer alguma coisa para sair da condição de parasitas."
Em setembro de 1970, finalmente, Anselmo conseguiu voltar ao Brasil. "Trazia uma mensagem cifrada de apresentação para Carlos Lamarca [dirigente máximo da VPR, que havia desertado do Exército em 1969], e ele deveria dar-me tarefas para desempenhar, explicar o funcionamento da organização. Trazia também filmes com esquemas para a construção de armas. Depois de Praga, deveria seguir para Milão, Itália. De Milão para Genebra, onde compraria uma passagem no voo da Swissair até São Paulo."
Anselmo, que também usava os codinomes Augusto, Daniel, Paulo, Renato e Sérgio, entre outros, foi preso menos de um ano depois, justamente quando as organizações de esquerda acumulavam uma sucessão de baixas em seus quadros. Para continuar o assédio contra o governo militar, começaram a trazer de volta militantes que estavam fora do país, como banidos ou exilados -a maior parte proveniente do Chile ou de Cuba.
A resposta da repressão foi condenar à morte, extrajudicialmente, quem voltava. Segundo o jornalista Elio Gaspari, em "A Ditadura Escancarada" (Companhia das Letras, 2002), "a sentença de morte contra os banidos autodocumenta-se. Entre 1971 e 1973, foram capturados dez. Nenhum sobreviveu".
Anselmo revelou ao delegado Fleury as senhas que os militantes da VPR que voltavam ao Brasil usariam para apresentar-se e incorporar-se a sua organização.
"Em Recife, a partir de janeiro: Restaurante Maxim, praia do Pina, todas as sextas-feiras, às 11h. O que recebe estará na varanda, apoiando-se com o punho fechado numa das colunas de sustentação, olhando o mar. Quem entra pergunta: 'Será que tem galinha ao molho pardo hoje?' A contrassenha do que recebe será: 'Tem peixada'". Bastava à polícia, de posse das senhas e contrassenhas, comparecer ao ponto de encontro, para fazer a colheita de informações.
JUDAS Se encarnou o Judas da esquerda brasileira, Anselmo foi só o mais notório a mudar de lado. Segundo Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, são conhecidas as identidades de 26 "cachorros". "Quem fez esse tipo de acordo não tem caminho de volta. Já fez o inaceitável. O problema é conseguir se olhar no espelho. A maior parte deles se tornou alcoólatra", diz.
Os "cachorros" representavam uma ferida de morte num princípio básico da luta guerrilheira: a absoluta confiança que deveria existir entre seus membros. No "Minimanual do Guerrilheiro Urbano", escrito por Carlos Marighella em junho de 1969, espécie de bíblia dos grupos da luta armada, lê-se: "O pior inimigo da guerrilha e o maior perigo que corremos é a infiltração em nossa organização de um espião ou um informante. O espião apreendido dentro de nossa organização será castigado com a morte. O mesmo vale para o que deserta e informa a polícia".
Já no final de 1971, Anselmo avisava à equipe de Fleury de que sua atividade como espião havia sido descoberta: "Num informe chegado do Rio, constava, com todas as letras: 'O cabo Anselmo se entregou à repressão'". Quem passou a informação foi uma militante, Olga (Inês Etienne Romeu, dirigente da VPR), que, presa, ouviu dois agentes comentando o assunto.
Torturada, estuprada, "quase morta de pancada" segundo o próprio "cachorro", Olga foi enviada a um hospital. De lá, conseguiu mandar a mensagem da traição de Anselmo ao comando da sua organização. Mas o comandante da VPR no Chile, Onofre Pinto, de origem militar como Anselmo, não lhe deu ouvidos.
No longo período em que atuou como infiltrado, Anselmo chegou a fazer viagens internacionais para encontrar Onofre Pinto, para recolher fundos que financiassem as ações armadas e, enfim, conhecer detalhes da organização no Chile. Na época, o Chile era uma espécie de Meca da esquerda, governada pelo socialista Salvador Allende, depois deposto por Augusto Pinochet. Mesmo relativamente livre, leve e solto, Anselmo nunca tentou desaparecer, fugir de seu papel de delator.
"Sem Anselmo e outros tantos informantes, os comunistas teriam tomado o poder. Ele traiu os companheiros, mas não traiu a pátria", costuma dizer o policial Carlos Alberto Augusto, 68, o Carlinhos Metralha, assim denominado porque, mesmo no Dops, onde trabalhava, andava sempre com uma metralhadora pendurada no ombro.
'A FONTE' Em 8 de janeiro de 1973, na mesma ação em que foi assassinada Soledad, morreram os militantes Pauline Reichstul, Eudaldo Gomes da Silva, Jarbas Pereira Marques, José Manoel da Silva e Evaldo Luiz Ferreira.
Relatórios dos ministérios da Marinha e da Aeronáutica atestam que os seis foram mortos "ao reagir a tiros à ordem de prisão dada pelos agentes de segurança", a explicação padrão até hoje usada em casos de execução. Anselmo diz que não participou diretamente do massacre porque já tinha sido retirado da área por Augusto.
Seis meses depois, o Dops distribuiu para toda a chamada "Comunidade de Informações" o informe 25-B/73, assinado por "A Fonte". Assunto: a situação no Chile. Como prova de que a atividade de alcaguete continuava firme e forte, era o relatório de um infiltrado da polícia que participou do "Tribunal Revolucionário" realizado em Santiago, Chile, para julgar o cabo Anselmo e Fleury, entre outros.
"O resultado do julgamento do Tribunal Revolucionário, que reuniu ALN, PCBR, VAR-Palmares, VPR e MR-8 [siglas de organizações da esquerda armada], foi a condenação à morte do delegado Fleury e do ex-cabo Anselmo", contou o informante.
A VPR, principal acusadora no "tribunal", leu um informe em que chamava Anselmo de "traidor da luta popular a serviço da ditadura fascista". Segundo o infiltrado, a VPR afirmava que o cabo "foi preso em São Paulo em junho de 1971 e a partir daí renegou todo o seu passado de lutas e começou a prestar serviços para a ditadura".
Era tarde demais. Sem braços, sem organização, sem armas, sem dinheiro, os grupamentos armados não conseguiram levar a cabo as execuções. Fleury morreu em 1979, em episódio mal explicado -por suposto afogamento, e o corpo foi sepultado sem ter sido necropsiado-, mas nunca reivindicado por qualquer grupo daqueles.
Anselmo, bem, depois de mudar de rosto em uma cirurgia plástica realizada numa madrugada de 1973 no hospital Albert Einstein, reapareceu aqui e ali, em poucas e ruidosas entrevistas, a última das quais ao programa "Roda Viva" da TV Cultura, em 17 de outubro.
Ele reclama da solidão e do não reconhecimento, por parte da história, de seus serviços. Que fazer? Ainda que agrade a traição, ao traidor tem-se aversão, sabe-se. "Até dentro da comunidade de informações, eu percebia, você percebe, né?, que algumas pessoas [me] desprezavam: 'Pô, esse filho da mãe aí traiu todo mundo, entregou tudo, vira-casaca', ou coisa parecida", disse Anselmo ao repórter Percival de Souza, em relato reproduzido no livro "Eu, Cabo Anselmo" (Globo, 1999). "Arrependimento? Não tenho. Absolutamente, nenhum", repete sempre.



Discurso de Vera Paiva na cerimônia
de criação da Comissão da Verdade.
Vera Paiva*
Segue abaixo o discurso que Vera Paiva faria na cerimônia que sancionou a criação da Comissão da Verdade no último dia 18. Vera é filha do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar. O discurso acabou sendo cancelado, sob a alegação de que provocaria “constrangimento” aos militares presentes no ato.
Sexta-feira, 18 de Novembro de 2011, 11:00. Palácio do Planalto, Brasília.
Excelentíssima Sra. Presidenta Dilma, querida ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário. Demais ministros presentes. Senhores representantes do Congresso Nacional, das Forças Armadas. Caríssimos ex-presos políticos e familiares de desaparecidos aqui presentes, tanto tempo nessa luta.
Agradecemos a honra, meu filho João Paiva Avelino e eu, filha e neto de Rubens Paiva, de estarmos aqui presenciando esse momento histórico e, dentre as centenas de famílias de mortos e desaparecidos, de milhares de adolescentes, mulheres e homens presos e torturados durante o regime militar, o privilégio de poder falar.
Ao enfrentar a verdade sobre esse período, ao impedir que violações contra direitos humanos de qualquer espécie permaneçam sob sigilo, estamos mais perto de enfrentar a herança que ainda assombra a vida cotidiana dos brasileiros. Não falo apenas do cotidiano das famílias marcadas pelo período de exceção. Incontáveis famílias ainda hoje, em 2011, sofrem em todo o Brasil com prisões arbitrárias, seqüestros, humilhação e a tortura. Sem advogado de defesa, sem fiança. Não é isso que está em todos os jornais e na televisão quase todo dia, denunciando, por exemplo, como se deturpa a retomada da cidadania nos morros do Rio de Janeiro? Inúmeros dados indicam que especialmente brasileiros mais pobres e mais pretos, ou interpretados como homossexuais, ainda são cotidianamente agredidos sem defesa nas ruas, ou são presos arbitrariamente, sem direito ao respeito, sem garantia de seus direitos mais básicos à não discriminação e a integridade física e moral que a Declaração dos Direitos Humanos consagrou na ONU depois dos horrores do nazismo em 1948.
Isso tudo continua acontecendo, Excelentíssima Presidenta. Continua acontecendo pela ação de pessoas que desrespeitam sua obrigação constitucional e perpetuam ações herdeiras do estado de exceção que vivemos de modo acirrado de 1964 a 1988.
O respeito aos direitos humanos, o respeito democrático à diferença de opiniões assim como a construção da paz se constrói todo dia e a cada geração! Todos, civis e militares, devemos compromissos com sua sustentação.
Nossa história familiar é uma entre tantas registradas em livros e exposições. Aqui em Brasília a exposição sobre o calvário de Frei Tito pode ser mais uma lição sobre o período que se deve investigar.
Em Março desse ano, na inauguração da exposição sobre meu pai no Congresso Nacional, ressaltei que há exatos 40 anos o tínhamos visto pela última vez. Rubens Paiva que foi um combativo líder estudantil na luta “Pelo Petróleo é Nosso”, depois engenheiro construtor de Brasília, depois deputado eleito pelo povo, cassado e exilado em 1964. Em 1971 era um bem sucedido engenheiro, democrata preocupado com o seu país e pai de 5 filhos. Foi preso em casa quando voltava da praia, feliz por ter jogado vôlei e poder almoçar com sua família em um feriado. Intimado, foi dirigindo seu carro, cujo recibo de entrega dias depois é a única prova de que foi preso. Minha mãe, dedicada mãe de família, foi presa no dia seguinte, com minha irmã de 15 anos. Ficaram dias no DOI-CODI, um dos cenário de horror naqueles tempos. Revi minha irmã com a alma partida e minha mãe esquálida. De quartel em quartel, gabinete em gabinete passou anos a fio tentando encontrá-lo, ou pelo menos ter noticias. Nenhuma noticia.
Apenas na inauguração da exposição em São Paulo, 40 anos depois, fizemos pela primeira vez um Memorial onde juntamos família e amigos para honrar sua memória. Descobrimos que a data em que cada um de nós decidiu que Rubens Paiva tinha morrido variava muito, meses e anos diferentes…Aceitar que ele tinha sido assassinado, era matá-lo mais uma vez.
Essa cicatriz fica menos dolorida hoje, diante de mais um passo para que nada disso se repita, para que o Brasil consolide sua democracia e um caminho para a paz.
Excelentíssima Presidenta: temos muitas coisas em comum, além das marcas na alma do período de exceção e de sermos mulheres, mãe, funcionária pública. Compartilhamos os direitos humanos como referência ética e para as políticas públicas para o Brasil. Também com 19 anos me envolvi com movimentos de jovens que queriam mudar o pais. Enquanto esperava essa cerimônia começar, preparando o que ia falar, lembrava de como essa mobilização começou. Na diretoria do recém fundado DCE-Livre da USP, Alexandre Vanucci Leme, um dos jovens colegas da USP sacrificados pela ditadura, ajudei a organizar a 1ª mobilização nas ruas desde o AI-5, contra prisões arbitrárias de colegas presos e pela anistia aos presos políticos. Era maio de 1977 e até sermos parados pelas bombas do Coronel Erasmo Dias, andávamos pacificamente pelas ruas do centro distribuindo uma carta aberta a população cuja palavra de ordem era
HOJE, CONSENTE QUEM CALA.
Acho essa carta absolutamente adequada para expressar nosso desejo hoje, no ato que sanciona a Comissão da Verdade. Para esclarecer de fato o que aconteceu nos chamados anos de chumbo, quem calar consentirá, não é mesmo?
Se a Comissão da Verdade não tiver autonomia e soberania para investigar, e uma grande equipe que a auxilie em seu trabalho, estaremos consentindo. Consentindo, quero ressaltar, seremos cúmplices do sofrimento de milhares de famílias ainda afetadas por essa herança de horror que agora não está apoiada em leis de exceção, mas segue inquestionada nos fatos.
A nossa carta de 1977, publicada na primeira página do jornal o Estado de São Paulo no dia seguinte, expressava a indignação juvenil com a falta de democracia e justiça social, que seguem nos desafiando. O Brasil foi o último país a encerrar o período de escravidão, os recentes dados do IBGE confirmam que continuamos uma país rico, mas absurdamente desigual… Hoje somos o último país a, muito timidamente mas com esperança, começar a fazer o que outros países que viveram ditaduras no mesmo período fizeram. Somos cobrados pela ONU, pelos organismos internacionais e até pela Revista Economist, a avançar nesse processo. Todos concordam que re-estabelecer a verdade e preservar a memória não é revanchismo, que responsáveis pela barbárie sejam julgadas, com o direito a defesa que os presos políticos nunca tiveram, é fundamental para que os torturadores de hoje não se sintam impunes para impedir a paz e a justiça de todo dia. Chile e Argentina já o fizeram, a África do Sul deu um exemplo magnífico de como enfrentar a verdade e resgatar a memória. Para que anos de chumbo não se repitam, para que cada geração a valorize.
Termino insistindo que a DEMOCRACIA SE CONSTRÓI E RECONSTRÓI A CADA DIA. Deve ser valorizada e reconstruída a CADA GERAÇÃO.
E que hoje, quem cala, consente, mais uma vez.
Obrigada.
P.S: Depois de saber que fui impedida de falar, lembro de um texto de meu irmão Marcelo Paiva em sua coluna, dirigida aos militares:
“Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura (…) Por que não limpar a fama da corporação?
 Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.”
* Vera Paiva é filha do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar. É professora de psicologia na USP e coordenadora do Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids (NEPAIDS) da universidade.




 ISRAEL e EUA ameaçam IRÃ com nova
 guerra imperialista e revoltam o mundo

Israel e EUA em mais uma jogada perigosa
Eminente ataque de Israel ao Irã mobiliza movimentos populares em defesa da paz e contra mais uma guerra imperialista
 Por KÁTIA CANAVARRO e PETER BLAIR.
MIDIA SEM FRONTEIRAS:Madrid\Paris\Brasília - Em 15.11.11 p\ KCePB.  A respeito do clima criado por Israel contra o programa nuclear do Irã e os rumores de que estes podem unilateralmente atacar instalações nucleares iranianas, diversos analistas nacionais e líderes de movimentos pacifistas internacionais apresentaram diversas analises, em especial como uma reação indignada contra os programas midiáticos apresentado por alguns meios de comunicação tanto a nível internacional e também no Brasil, como a Globo News, que fez um programa exclusivo neste último sábado, dia 12, chamado Painel, apresentado pelo recém denunciado pelo Wilkleaks, informante da CIA, Willian Waack, onde se caracteriza o programa como um relesse internacional. Onde o governo estadunidense paga para que o mesmo seja feito com criticas ao Irã em diversos países.
         Segundo analises feita por especialistas em mídia política e geopolítica internacional, “os israelenses estão extremamente chateados devido aos acontecimentos que têm ocorridos no mundo árabe em 2011, as quais secundarizaram a prioridade política e midiática do caso nuclear iraniano e em que durante este tempo o ocidente indesejavelmente não podia tratar a questão nuclear iraniana, reativando e encaminhando-o para novas sanções e Resoluções”, afirma O Boletim Popular, de circulação entre os indignados na Europa.
     Em note divulgada pelo movimento Paz Sem Fronteira, com atuação na Europa e muito forte na Espanha e França, onde faz parte do movimento dos Indignados, e também nos EUA onde o governo norte americano prendeu diversos de seus militantes “ O Estado de Israel está preocupado com esta situação porque sabe que os acontecimentos em curso nos  países árabes não será de uma forma truculenta que se acalmarão os ânimos e brevemente é muito provável que ainda se espalhem para outros países, em especial a Arábia Saudita e o Bahren, onde existem duas sanguinárias ditaduras com monarcas que são capaz de tudo para permanecer no poder e aliados dos EUA e de Israel.”.  A nota diz ainda que “Israel e os EUA estão frustrados em razão de que o caso nuclear iraniano não voltará como assunto dominante no ocidente. Ambos sentem que o ocidente já não pode se dedicar adequadamente e priorizar esta questão, que praticamente é uma campanha orquestrada por Washington e Telavive”. Afirma.
        Na analise feita por analistas políticos internacionais “Israel segue esta tática, intimidando o mundo com o anúncio de que chegou a conclusão da necessidade de  estender a mão em uma loucura e neste ato considerado por todos como  perigoso”.
      Outros importantes analistas internacionais como jornalistas e cientistas nucleares membros de organizações pacifistas afirmam que “assim, voltando, mas uma vez a atenção mundial para a questão nuclear iraniana, os norte-americanos, para acalmar a fúria israelense, e por sua vez com uma desculpa de que devem de qualquer maneira reavivar o caso nuclear iraniano, começaram a pressionar Rússia e China com o intuito de aprovarem nova Resolução contra o Irã”. 
      Na Europa e no próprio seio da sociedade estadunidense, contrária aos governos democrata e também contra os republicanos, “o ocidente pretende intimidar a Rússia e a China e outros países que apóiam o Irã no Conselho de Segurança das Nações Unidas para apoiarem uma ação irracional e terrorista de Israel permitindo e legalizando um ataque nuclear ao país persa.Mais adiante afirmam que mesmo , segundo todas as informações, Israel nem os EUA não tendo nenhuma certeza sobre o que alegam, desejam atacar”. Para eles, todo o esforço que Israel está fazendo é dentro deste quadro. Na verdade, todas as ações se limita a um tipo de operações psicológicas, tendo em consideração que no fundo e de fato eles sempre desejavam um ataque contra o Irã. Na pratica eles querem com isso dissuadir o mundo. Naturalmente, esta é uma tática que duas vezes foi utilizada no passado, mas não no tamanho da operação que desejam desenvolver contra o povo iraniano pelo apoio que este dá a Revolução dos Aiatolás.  Britânicos e estadunidenses juntos, como protagonistas de uma nova política terrorista no mundo estão projetando cenários para que nos próximos meses seja aprovada uma nova resolução da ONU contra o Irã.
        A mídia mundial, mesmo sobre controle dos EUA e dos governos europeus, que gastam milhões de dólares e euros para mantê-la sob controle indaga: o que fará o Irã para neutralizar esta operação?
        Fontes de grupos especialistas em geopolítica e estratégia militar na Europa afirmam que : “Em primeiro lugar, qualquer ataque militar às instalações nucleares do Irã efetivamente não trará resultados eficazes para os invasores. Mesmo os israelitas e o ocidente admitiram que a República Islâmica do Irã pela experiência que ganhou internacionalmente, espalhou suas instalações nucleares em lugares diferentes e não centralizou as suas atividades somente numa unidade nuclear. Cada parte deste programa está situado num lugar diferente no país e até mesmo nas instalações fortificadas e subterrâneas. Portanto, esta atuação iraniana tira qualquer resultado prático e bem sucedido para um eventual ataque e até descarta qualquer tipo de propaganda acerca do um ato preventivo”.
        Segundo ainda estes especialistas, “cada tipo de ataque deve ser realizado de acordo com os resultados, quando esta ação podia não satisfazer as expectativas, e podia até aumentar os prejuízos, é natural que comece com propaganda num espaço de guerra psicológica”.
        Por outro lado, o Irã até admite que possa haver um ataque mesmo sem causar golpes fundamentais à suas instalações nucleares, como um ato que contraria regulamentos e direitos internacionais, e nesse sentido a República Islâmica do Irã pode se retirará do Tratado de Não Proliferação (TPN), e  assim não haverá qualquer tipo de compromisso com a Agencia Internacional da Energia Atômica e não deverá mais permitir visitas dos inspetores da AIEA. Ameaçar o Irã neste momento trará grande impacto e poderia causar o fim de cooperação desse pais com a Agencia e é exatamente para evitar isso que o ocidente pressiona Israel, pois sabe que o impacto de uma intervenção militar não seria tanto, mas sim poderia trazer conseqüências muito graves.
    Jornalistas e correspondentes de guerra reunidos num Encontro Internacional em Paris neste último final de semana afirmaram que “Isso será um erro grave de  Israel e dos EUA, se  pensam que arbitrariamente poderão agir da mesma forma como gostariam de fazer com a Síria e anos antes fizeram com o Iraque e não sentir as conseqüências. O mundo deve saber que o  caso iraniano é diferente e a República Islâmica do Irã tem muitas opções, sendo uma delas a de se retirar do TNP(Tratado de Não Proliferação) e não permissão a supervisão da Agência. Outra é que o Irã é uma potência militar regional com grande poder de defesa.
       Desta forma, analisam os especialistas que Israel sabe que qualquer ação militar contra o Irã, na seqüência terá uma resposta militar adequada e estando fora do TPN  não se resumirá à medidas políticas. O Irã responderá diretamente a Israel e aos EUA ,  seu grande aliado, que atualmente tem uma presença militar na região, e tanto no mar como em terra seus militares estão no raio do alcance das forças armadas iranianas. Entretanto, um ataque contra o Irã, não será somente uma ação militar unilateral e uma loucura de Israel e a responsabilidade não recairá somente sobre o Estado judeu. Qualquer ataque partindo de Israel por via aérea passará pelos espaços dos países árabes e será facilmente detectado pelos EUA. Portanto, se um ataque foi tomado sob os auspícios dos EUA, a responsabilidade também será compartilhada entre este e Israel e seria reservado o direito de resposta militar da República Iraniana a este ataque dos dois países.
        A diplomacia iraniana nesse sentido tenta impedir uma guerra psicológica e enfatizar uma resposta decisiva a qualquer ataque em conversas com outros países, incluindo a Rússia, China e o Brasil e demais países membros do Conselho de Segurança como aos membros da AIEA e países do Movimento Não Alinhados.
       Outra analise recente e que passa a preocupar os israelenses e estadunidenses é o apoio  que os movimentos sociais internacionais pela paz e direitos humanos passaram a dá ao regime iraniano em face do avanço político de sua diplomacia em diversas partes do mundo, especialmente na América Latina. Lideranças e dirigentes dos movimentos sindical, comunitário, estudantil e feminino na América do Sul passaram a ter uma ótima relação com Teerã e se preparam para manifestações em vários países contra a guerra que Israel e EUA querem fazer e pela paz que o Irã e demais nações desejam. Movimentos Sociais europeus, africanos e latinos americanos vão levar uma proposta de desenvolvimento de uma campanha pela paz ao FSM – Fórum Social Mundial, a se realizar em janeiro próximo em Porto Alegre, que se aprovada se tornará um movimento tal qual se formou a dos Indignados em diversos países da Europa e dos EUA.

FONTE:  Mídia Sem Fronteiras\AGNOTMUNDO; INTERPRESS.DIPLOMATIK;  INTERPRENSA BRASIL;  Mídia Sindical;   Imprensa Mulher;   Mídia Juventude;   Rede Noticias Mundo;
De MADRID\PARIS\BRAS




A América Latina e o 

socialismo do século 21


Marcha de trabalhadores em La Paz: o mundo já está comprometido
hoje, não mais em um futuro próximo - Foto: Freddy Zarco/ABI
O nome do professor Ricardo Antunes está diretamente ligado ao tema do trabalho. Autor de diversos livros sobre o tema, professor de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele agora se debruça sobre o continente latino-americano em sua nova obra, O continente do labor. “Labor, como sabemos, é o trabalho aviltado, intensificado, superexplorado. É a ideia que esse continente foi feito para a extração, para a sucção de riquezas para o mundo avançado, primeiro a Europa, depois os Estados Unidos”, aponta. Depois de anos de estudo sobre o caso brasileiro e sobre países de capitalismo avançado, desta vez sua pesquisa se volta para o conjunto de países que, se por um lado têm sua história marcada pela exploração, por outro também é referência por suas revoltas, rebeliões, lutas por independência e autonomia. Nesta entrevista, ele fala sobre a pesquisa, sobre a nova morfologia do trabalho, os governos e a necessidade de levantar os pontos centrais que garantam a unidade entre a classe trabalhadora ampliada.

Brasil de Fato – Por que estudar a América Latina agora e por que chamá-la de “o continente do labor”?
Ricardo Antunes – A decisão de estudar a América Latina deveu-se a alguns motivos. Nas últimas décadas, até 1990, estudei o caso brasileiro. De 90 até hoje, continuo estudando as mudanças que vêm ocorrendo no capitalismo avançado para discutir criticamente, para me posicionar contra as teses daqueles autores que defendiam o fim da importância da classe trabalhadora, o fim da centralidade do trabalho. Mas visitando e viajando pela América Latina nessa última década, especialmente a partir dos livros Adeus ao trabalho? e Os sentidos do trabalho, fui desenvolvendo uma percepção da particularidade do trabalho na América Latina. Em 2005, recebi um convite para escrever um verbete sobre o trabalho na América Latina para a Enciclopédia latino-americana, que foi publicada no ano seguinte pela Boitempo. Para escrever o verbete, fui estudar vários países para não fazer um verbete apenas brasileiro, mas latino-americano. O resultado é que esse texto foi publicado numa versão muito parcial e muito alterada, e o texto integral ficou separado e inédito. A partir daí, veio a ideia de organizar o volume. Qual é a especifidade do trabalho na América Latina frente às mudanças que vêm ocorrendo no capitalismo em escala global? Por isso o nome de “continente do labor”: este continente nasceu, a partir do processo de descobrimento da América, como um prolongamento da exploração colonial. Nasceu seguindo o que Marx chamava de acumulação primitiva do capital, onde espanhóis e portugueses montaram aqui colônias de exploração, visando, no caso da colonização espanhola isso é mais claro, a extração do ouro e da prata, e no caso brasileiro, dado que no primeiro momento o ouro e a prata não apareceram, deu-se a exploração do pau-brasil e muito rapidamente a montagem de um sistema de produção voltado para o cultivo do açúcar, que era um produto escasso e de muito valor na Europa. Montou-se um processo colonial fundado na intensa exploração do trabalho, no labor. Labor, como sabemos, é o trabalho aviltado, intensificado, superexplorado. É a ideia que esse continente foi feito para a extração, para a sucção de riquezas para o mundo avançado, primeiro a Europa, depois os Estados Unidos. É o continente do labor, da opressão, do sofrimento, mas também das revoltas, das rebeliões, das lutas pela sua independência e autonomia. Como a revolução haitiana, a primeira revolução contra a escravidão, a rebelião dos quilombos, a revolução mexicana de 1910, a revolução cubana de 1959, entre tantas outras formas de luta que o continente apresenta.

Com tantas mudanças no mundo do trabalho é possível falar ainda em uma única classe trabalhadora?
É possível falar em muitas classes, classes burguesas e suas frações; as camadas médias e a classe trabalhadora no sentido amplo, que compreende o conjunto de assalariados do campo, da cidade, dos serviços... É claro que é uma classe ampla, heterogênea, complexificada. Em alguns casos, como o campesinato, por exemplo, poderia ser visto como uma classe de pequenos proprietários, mas muitas vezes eles trabalham algum período do ano no cultivo do açúcar, do algodão, etc. Alguns autores falam em “classes trabalhadoras”. Eu prefiro falar em classe trabalhadora ampliada, porque estou procurando entender, centralmente, a classe trabalhadora assalariada que vive da venda de sua força de trabalho visando à geração, direta ou indiretamente, de mais-valia, de valor, que valoriza o capital. Então essa classe trabalhadora não é só a classe operária industrial, é a classe ligada ao operariado, é a classe ligada à agricultura, por exemplo, os trabalhadores chamados de boias-frias no Brasil, ou os trabalhadores do corte da cana-de-açúcar, inclui o proletariado de serviços, trabalhadores ligados ao call center, ao telemarketing, aos supermercados... Compreende o que chamo da nova morfologia do trabalho.

Como incluir na luta de classes os elementos gênero, etnia e geração sem cair no discurso pós-moderno que coloca apenas esses elementos como centrais?
Estudar questão de gênero, etnia ou geração, é vital desde que se tenha a dimensão de classe. Quando você vai no mundo do trabalho latino-americano, nos países de colonização espanhola, você olha a classe trabalhadora e vê que ela tem a cara indígena. Claro que às vezes há mesclados, índios com espanhóis, mas no geral a classe trabalhadora tem uma função fortemente indígena e as classes burguesas têm uma feição mais hispânica. No Brasil ou em Cuba, por exemplo, a classe trabalhadora tem uma feição mais aproximada do negro e do mulato, enquanto as classes burguesas têm uma feição mais branca. A classe trabalhadora tem homens e mulheres, mas as mulheres têm salários menores que os homens, condições mais precarizadas, elas têm menos direitos. Há empresas que preferem contratar trabalhadores homens e mais velhos; outras preferem mulheres e jovens, e assim por diante. Mas a dimensão de trabalho é crucial, porque ela é uma categoria transversal. Isso significa dizer que é fundamental fazer a articulação entre gênero, etnia, geração e classe. O pensamento pós-moderno desconsidera a dimensão de classe, porque a nega, e acaba fazendo conta das questões de gênero, étnicas, geracional, isoladamente, como se não tivesse capitalismo, como se não tivesse exploração do trabalho, como se não tivesse a centralidade do trabalho. A minha pesquisa vem procurando mostrar que para compreender a classe trabalhadora hoje é preciso compreendê-la na sua nova morfologia, relacionar a dimensão de classe com gênero, etnia, geração, etc, sem perder o vínculo fundamental de classe. O gênero tem classe, a geração e a questão étnica também. Os bolivianos, indígenas, camponeses, não são burgueses. As revoltas na Inglaterra foram tocadas por jovens, pobres, imigrantes, trabalhadores precarizados ou sem trabalho.

O que as eleições de governos mais progressistas significaram para a América Latina?
É preciso fazer uma separação entre quais governos são progressistas e quais não são. A vitória de Chávez na Venezuela de 1999 e seu governo de lá pra cá vem procurando imprimir um sentido antineoliberal e com traços antiburgueses e anti-imperialistas. O processo chamado de revolução bolivariana tem uma preocupação de pensar uma alternativa, inclusive fora dos marcos do capitalismo. Quando eleito, ele não tinha uma proposta socialista, era uma proposta popular, contrária aos partidos dominantes. Mas ao longo da década de 2000, vai percebendo que a Venezuela tem que buscar um caminho alternativo e isso aproxima do socialismo. É um projeto de inspiração socialista, mas que não quer, por um lado, incorrer nos erros da União Soviética, mas que tem dificuldades no seu desenvolvimento. Não é fácil no século 21 - embora seja imprescindível – redesenhar um projeto socialista, porque é preciso fazer uma análise profundamente crítica da experiência do socialismo no século 20, especialmente da União Soviética, que viveu um processo brutal de estalinização da sua história e por fim levou a sua derrota cabal. Precisamos analisar a importância do socialismo de romper com o que o Mészaros chama do tripé processo estruturante do capital. É preciso demolir tanto o capital privado, quanto o trabalho assalariado e o Estado. Se esse tripé não é eliminado, o capital tende a se impor novamente. Claro que a experiência venezuelana é ainda incipiente, tem limites, tem dependências com a persona do Chávez... Além disso, tem a experiência boliviana: a vitória do Evo Morales foi uma vitória do movimento popular. Agora estamos vendo o governo sendo dura e criticamente confrontado por indígenas e pelo movimento popular porque eles são contra uma espécie de subimperialismo brasileiro, associado com o governo boliviano, que implemente projetos que beneficiem o Brasil e empresas de construção em detrimento dos povos tradicionais. São movimentos de contenções, e dou mais valor no meu livro às lutas populares nestes países, à impulsão popular. O que esses governos têm de positivo é resultado da mobilização popular. Nenhum desses países, nem a Venezuela, a Bolívia ou Equador, viveram revoluções socialistas. O fato de não terem vivido revoluções mostra um processo muito difícil que é conviver dentro da ordem e contra a ordem. É uma espécie de “revolução institucional”, ou uma “institucionalidade revolucionária”. A última experiência que tivemos parecida com essa foi a bela experiência de Salvador Allende, no Chile, que foi deposta por um golpe em 1973, que juntou o Exército ditatorial chileno, o imperialismo norte-americano e as classes burguesas. Na América Latina, Florestan Fernandes nos ensinou isso, Caio Prado também, quando as reformas têm um sentido mais radical, elas começam a se aproximar do espaço da revolução. E isso provoca as contra-revoluções. Esse é o momento do cenário latinoamericano de alguns países. Muito diferente, no meu entender, foi o governo Lula, que foi um governo dentro da ordem, que foi considerado por muito tempo um paladino no neoliberalismo, ainda que sob a forma do social-liberalismo. O governo de [Michelle] Bachelet no Chile não tocou em nenhum elemento da miséria chilena, o governo de Tabaré Vázquez também não tocou na estrutura do Uruguai. Temos também governos de extrema-direita, como no México, na Colômbia, em Honduras. A América Latina hoje é um cenário que tem governos de direita conservadora e contra-revolucionária; governos de centro e centro-esquerda, mas que aderem ao essencial da política neoliberal, como o governo Lula; e há governos no campo mais à esquerda, como na Venezuela e Bolívia, que tentam avançar, com muitas tensões. E Cuba, que fez mesmo uma revolução. 

Como você avalia o cenário das lutas populares no continente?
As greves latino-americanas são muito importantes. O Brasil tem hoje greves nos Correios, nos bancos, de professores, do funcionalismo público, de metalúrgicos. Então temos de um lado as clássicas formas de lutas dos trabalhadores e trabalhadoras, que são as greves por melhores condições de trabalho, por aumento salarial, por ampliação de direitos. Mas temos também, desde 2001, por exemplo, na Argentina, experiências muito importantes, como o movimento dos piqueteros, que paralisava o sistema de transporte no país, com um claro sentido de contestação do projeto de precarização. Tivemos também o movimento de fábricas ocupadas, que eles chamam de fábricas recuperadas. Foram mais de 200 experiências. Há movimentos muito importantes no Uruguai, no Peru, na Colômbia contra a mercadorização da água, dos bens energéticos, que são mercadorizados e tirados da população. Houve no México, em 1994, a eclosão do movimento zapatista, na data de início do Nafta. Em 2005, tivemos a comuna de Oaxaca. Temos rebeliões em vários países latino-americanos. A nova morfologia do trabalho traz uma nova morfologia das lutas sociais. E temos que entender essas lutas sociais. A mesma coisa se passa na Ásia, hoje o país que tem mais greve no mundo é a China. Até mesmo a Europa hoje é um continente em ebulição. Os indignados na Espanha, a geração precarizada e sem trabalho em Portugal, os imigrantes negros e desempregados na Inglaterra, o levante na Grécia, que não aceita as imposições do Fundo Monetário Internacional. A rebelião árabe - ainda que nós saibamos que os Estados Unidos e países imperialistas jogam um peso muito forte lá, pelo petróleo e pela defesa do Estado de Israel – é um sinal importante. Essa é uma tese do livro: estamos presenciando o aumento das lutas sociais da América Latina, estamos percebendo que os povos andinos, a classe trabalhadora operária e industrial, têm se movimentado. O continente latino-americano tem uma importância vital na retomada do socialismo do século 21. Viajo muito para a Europa, e os movimentos lá têm muita expectativa do que se passa na América Latina, e temos que ter consciência disso. 

É possível construir a unidade entre as duas formas de mobilização: as formas clássicas, como as greves, e as novas formas de lutas sociais?
Claro, esse é o desafio fundamental: resgatar o sentido de pertencimento dessa classe trabalhadora ampliada. Temos o exemplo da luta pela redução da jornada de trabalho, que é uma luta mundial: beneficia quem está empregado e vai trabalhar menos e beneficia quem está desempregado e pode vir a trabalhar, sem o exaurimento do trabalho. A mundialização dos capitais mundializou as lutas sociais. Temos que avançar os laços de organicidade. O papel do MST no Brasil, por exemplo, é muito importante nisso. Mesmo com suas dificuldades, ele luta não só pela terra, mas pelo direito ao trabalho, pelo fim dos transgênicos, é contra a propriedade latifundiária da terra improdutiva, mas é contra também a terra concentrada que é produtiva, mas destrutiva. Que sentido tem produzir soja para exportação e não produzir alimentos para a população do país? É preciso perceber quais são as questões vitais que hoje aproximam, unem os polos diversificados da classe trabalhadora: a questão do trabalho, a questão do tempo de trabalho, a questão de produzir o quê e para quem, a questão da forma de propriedade, a propriedade intelectual, a questão ambiental. O mundo já está comprometido hoje, não é mais em um futuro próximo. Lutar hoje contra as usinas nucleares é uma luta da classe trabalhadora, não serão as classes dominantes que vão lutar por isso. A luta ambiental tem que ser uma luta anticapitalista. Definir as questões vitais é o desafio das esquerdas, dos movimentos sociais, dos sindicatos e partidos que querem pensar na humanidade no século 21, o que repõe a questão do socialismo. Temos que discutir o socialismo na contextualidade, na concretude e na autenticidade do século 21. É um desafio vital.



QUEM É
Ricardo Antunes é professor de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de diversos livros, entre eles Adeus ao trabalho?, Os sentidos do trabalho e O caracol e sua concha e organizador de volumes sobre o tema pela Editora Expressão Popular e pela Boitempo Editorial.


O continente do labor 
Parte da coleção “Mundo do trabalho”, da Boitempo Editorial, o livro é dividido em três partes. A primeira apresenta um quadro do trabalho na América Latina, com dados históricos e discussões sobre o capitalismo e dependência, em um diálogo aberto com Florestan Fernandes, além de discussões sobre as lutas recentes e o socialismo do século 21. A segunda parte é dedicada ao Brasil, com elementos sobre sua história, o papel do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o sindicalismo; o impacto do ano de 1968; dados sobre o desemprego no país; análises da reestruturação produtiva e o mundo do trabalho, além de uma discussão sobre as lutas e a esquerda no Brasil recente. A terceira parte, originalmente escrita em forma de verbetes para enciclopédia Latinoamericana (publicada pela Boitempo em 2006), conta com a colaboração dos membros do Grupo de Pesquisa Estudos do Mundo do Trabalho e sua Metamorfoses da Unicamp. É traçado um panorama do sindicalismo na América Latina, com dados sobre as centrais sindicais da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, México, Peru, Uruguai e Venezuela.





       O assalto "humanitário" ao povo líbio.    

Essa matéria foi publicada na Edição 453


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do Jornal Inverta, em 05/09/2011. Pela   Jornalista STELLA CALLONI.
       Há uma semana do dia 21 de agosto, quando a Organização do Atlântico Norte (OTAN) anunciou, após vários dias de bombardeios sustentados sobre Trípoli, que seus "rebeldes" tinham tomado a capital da Líbia, a resistência continua.

      Há uma semana do dia 21 de agosto, quando a Organização do Atlântico Norte (OTAN) anunciou, após vários dias de bombardeios sustentados sobre Trípoli, que seus "rebeldes" tinham tomado a capital da Líbia, a resistência continua e não conseguiram ainda estabelecer uma sede de governo ali, apesar do Conselho Nacional de Transição(CNT) já ter sido reconhecido por algumas grandes potências.
      Como um fato simbólico do que significa a contrainsurgência informativa, os próprios porta-vozes do CNT confirmaram que a suposta tomada da Praça Verde no dia 21 de agosto foi uma imagem falsa. Como no melhor filme de Hollywood essa cena foi filmada em Qatar com uma aparência da Praça Verde e com seus "extras".
       A comparação de vários fotógrafos permitiu despir a mentira comprada pelos meios de comunicação, confessando os porta-vozes do CNT que tinham feito isso "pela necessidade de conseguir o reconhecimento" das potências. Os Estados Unidos anteciparam-se em alguns dias, abrindo uma embaixada do CNT em Washington, antes que a OTAN terminasse seu trabalho, o que lhes custou um preço alto.
       Quanto mais dias passam, mais evidente é que se trata de um modelo novo de invasão, disfarçado de rebelião popular, ou "guerra civil" que se dilui à medida que a OTAN avança e demonstra que a intervenção estava preparada há muito tempo pelos Estados Unidos e seus aliados.
       Três dias após a "tomada" de Trípoli, a oferta do CNT de pagar 1,6 milhão de dólares e anistiar quem "matar ou entregar vivo" o líder líbio Muammar Kadafi (1) evidencia a imoralidade da guerra colonial da OTAN nesse país.
        Desde o momento em que, no dia 19 de março, a França e a Grã-Bretanha começaram a bombardear a Líbia, com a OTAN, a "mão estrangeira" era mais que óbvia.
       Não era necessário esperar que os bombardeios somassem cerca de oito mil sobre esse país de apenas seis milhões de habitantes e que se reconhecesse a presença de mercenários e "assessores" estrangeiros, para entender do que se trata a ação "humanitária" do poder hegemônico na Líbia.
       No dia 22 de agosto, o sociólogo estadunidense James Petras afirmava de Nova Iorque que se deve caracterizar esta guerra contra a Líbia e seu povo "como um dos grandes crimes do novo milênio. O fato de que por 188 dias a OTAN: as forças da França, Grã-Bretanha e Estados Unidos tenham lançado bombas significam 188 dias de morte e destruição, e a partir desses atos ganharam terreno seus mercenários".
        O que se adverte é que houve um relato único sobre a "alegria" do povo líbio pela suposta "tomada" de Trípoli, o que ainda não se concretizou, sem mencionar em nenhum momento os ferozes bombardeios da OTAN sobre a capital, que deixaram uma sequela de mais de três mil mortos, segundo as últimas cifras oferecidas pelos relatórios, e cinco mil feridos, cuja cifra a cada dia só aumenta.
         Ao longo da guerra colonial, a OTAN afetou todas as infraestruturas, além de ocasionar milhares de vítimas, e abriu o caminho para que pudessem entrar seus "rebeldes".
        "Os rebeldes da OTAN" se converteram, a olhos vistos, em típicos mercenários, que invadem casas, chutando portas ao melhor estilo dos ocupantes do Iraque, levando bandeiras e insígnias monárquicas.
         Em Novembro de 2010, o presidente Barack Obama admitiu ao The New York Times o "envio de comandos da CIA" para assessorar e apoiar uma rebelião na Líbia.
         Um dos chefes atuais dos "rebeldes" é Hifter Jalifa, um homem da CIA que vivia há anos próximo a Washington, como o revelou em 30 de março de 2011 Patrick Martin em um artigo publicado pela Rede Rebelião (tradução de Loles Oliván). Martin sustenta que o CNT, "o grupo com sede em Benghazi que fala em nome das forças rebeldes que combatem o regime, nomeou na direção de suas operações militares um antigo colaborador da CIA. Hifter Jalifa, ex-coronel do exército líbio, como revelou McClatchy Newspapers".
       Hifter chegou a Benghazi em 14 de março, e cinco dias depois o tabloide britânico Daily Mail descreveu-o como uma das "duas estrelas militares da revolução" que chegou para "prestar às forças rebeldes certa coerência tática".
        Tinha aparecido em um relatório do Washington Post (26 de março de 1996) em uma rebelião armada contra Kadafi na Líbia onde mencionava-o com "uma variante ortográfica de seu nome" como o coronel "Haftar Jalifa, relata Martin.
       Tratava-se de um grupo ao estilo da "contra" (que atuou contra a Nicarágua sandinista nos anos 80), radicado nos Estados Unidos e "denominado Exército Nacional Líbio". Jalifa uniu-se em 1987 à Frente de Salvação Nacional Líbia, "o principal grupo de oposição a Kadafi, que contava com o respaldo da CIA estadunidense".
       Martin adverte que nenhuma das redes de televisão ocupadas em louvar os "lutadores pela liberdade" do leste da Líbia se incomodou em informar que estas forças estavam ao comando de um "antigo colaborador" da CIA. Ele considera que a rebelião inicial foi "sequestrada pelo imperialismo".
       Isso foi evidente também quando alguns dos opositores, como o general Abdel Fath Younis, que aparecia como o chefe da "rebelião" em Bengazhi, e outros dois militares líbios, foram assassinados no dia 26 de julho pelos "rebeldes" que os tinham utilizado para armar o foco de ação em fevereiro deste ano.
       O relato único montado para criar um consenso mundial sobre o tema Líbia é falsificado e se desmorona.
         É grosseiro que os Estados Unidos e os governos europeus tenham se reunido com o "governo" do CNT quando ainda não estava na capital e que tenham pedido o descongelamento dos multimilionários fundos do Estado líbio.
         É escandaloso que a ONU estude como modificar a Resolução 1973 para permitir descongelar os fundos, que manejarão os países participantes da invasão e do saque à Líbia.
         O anúncio do "controle da Líbia" significa que a OTAN está disposta a não deixar pedra sobre pedra e ficar no lugar.
Os meios de (in)comunicação;


     Quando os meios de comunicação informaram sobre a tomada do "complexo residencial" de Kadafi se referiam ao velho quartel Bab Azizia, onde o líder líbio tinha uma tenda similar às do deserto para receber personalidades, jornalistas e amigos, até que foi bombardeado em 1986.
      Foi dito que      os "rebeldes" tomaram a residência de Kadafi "derrubando muros" quando, na verdade, entraram caminhando entre escombros após mais de 60 bombardeios da OTAN sobre esse local.
     Bab Azizia não tinha instalações administrativas, nem importância militar, nem Kadafi vivia no local. Era um lugar simbólico que recordava o bombardeio dos Estados Unidos em 1986, assassinando então uma filha pequena do governante líbio e mais de uma centena de civis, entre eles muitos estudantes, surpreendidos nos dormitórios universitários.
       Com relação aos jornalistas do Hotel Rixos, os meios informaram que estavam "retidos" pelo governo líbio, quando eles mesmos se encarregaram de denunciar que estavam sitiados por grupos "rebeldes", vários deles ameaçados, como por exemplo o diretor da Rede Voltaire, Thierri Meyssan, e que oficiais líbios facilitaram a chegada da Cruz Vermelha para retirá-lo do local.
        Entretanto, o jornal estadunidense The New York Times ratificou no dia 21 de agosto que aviões norte-americanos não tripulados atiraram contra forças do líder líbio, apesar de seu papel e o da Organização do Atlântico Norte (OTAN) ser só o de "resguardar" civis.
         Segundo o jornal -que citou a Telesul- nos últimos dias os Estados Unidos estabeleceram uma vigilância aérea de 24 horas sobre as zonas controladas pelo Governo líbio, onde até agora foi a mais intensa série de ataques perpetrados sobre esse país. O jornal informou que neste operativo "a nação norte-americana utilizou aviões não tripulados Predator" que detectaram, seguiram e em ocasiões até chegaram a disparar contra as forças de Kadafi.
           Também mencionou os depoimentos de alguns analistas, que opinam que estas agressões "tinham como objetivo abrir caminho aos opositores de Kadafi".
           Reconhece-se que os mercenários também receberam ajudas de potências como Reino Unido e França, que desde o mês de julho instalaram forças especiais na Líbia para treinar e armar "os rebeldes".
          "Mesmo após 2.600 mortos, contabilizados até o domingo passado, a Aliança Atlântica não faz um cessar-fogo", afirma o jornal. Kadafi logo anunciou que as potências imperialistas começariam uma agressão sobre seu país baseado em "informes de imprensa", algo que os meios de comunicação nunca publicaram, nem as Nações Unidas escutaram. Também não foram investigadas suas denúncias sobre as violações de direitos humanos por parte dos chamados "rebeldes", com provas e evidências.
         Apesar do governo líbio ter proposto o cessar- fogo especificando que não podia ser "unilateral", de ter cumprido em não utilizar aviões de combate e aceitado a presença de observadores que certificaram que não se comprovavam bombardeios à população civil, isto foi silenciado.
          Mente-se sem sutileza alguma. Não se disse -salvo as raras exceções existentes-  que a Líbia aceitou a proposta de diálogo da União Africana (UA) para pôr fim ao conflito. Mas os grupos armados financiados pelos Estados Unidos e seus aliados e pela OTAN recusaram-na, como recusaram todas as ofertas por uma solução pacífica.
           Tanto Estados Unidos como França reconheceram publicamente que enviaram militares a Bengazhi para treinar as forças agressoras, descumprindo a resolução 1973 do Conselho de Segurança que proibia a invasão de pessoal estrangeiro por terra.
             O confisco de bens do Estado líbio imposta pelos Estados Unidos e as potências europeias também foi usado e desviado para apoiar os grupos armados, em sua maioria mercenários, cuja presença já reconhecem também vários governos.
              Aceitou-se que nestes territórios ocupados conformassem o Banco Central de Bengazhi no final de março passado e que negociassem o petróleo. Este é um novo modelo de intervenção e marca outra escalada. Já ninguém mais dissimula que foram por petróleo, água, gás, ouro e para instalar ali a sede do comando Africom dos Estados Unidos que controlará a África se o mundo não o detiver. Nem sequer utilizaram o desgastado argumento do "terrorismo internacional" com que justificam sua expansão fascista nos últimos tempos.


Stella Calloni,  Jornalista argentina colaboradora da Prensa Latina .



   O Tribunal Penal Internacional
   é uma espécie de apêndice judicial
        do pelotão de execução da OTAN.    

O duplo critério da legalidade e da jurisdição alcança suas cotas mais altas com a intervenção do Tribunal Penal Internacional (TPI). Os cidadãos estadunidenses e os soldados e mercenários de faixas e estrelas espalhados por todo o mundo ficam e devem ficar fora da sua jurisdição. Recentemente, a imprensa internacional revelou que os Estados Unidos estão dispostos a vetar a admissão da Palestina na ONU, entre outras coisas, para impedir que a Palestina possa denunciar Israel perante o TPI: seja como for, na prática quando não na teoria, deve ficar claro para todo o mundo que só os povos colonizados podem ser processados e condenados. A seqüência temporal é em si mesma eloqüente.
1999: apesar de não haver obtido autorização da ONU, a NATO começa a bombardear a Yugoslávia; pouco depois, sem perda de tempo, o TPI tratar de incriminar não os agressores e responsáveis da ruptura da ordem jurídica internacional estabelecida após a II Guerra Mundial e sim Milosevic.
2011: violentando o mandato da ONU, longe de se preocupar com o destino dos civis, a OTAN recorre a todos os meios para impor a mudança de regime e ganhar o controle da Líbia. Seguindo uma pauta já ensaiada, o TPI trata de incriminar Kadafi.
O chamado Tribunal Penal Internacional é uma espécie de apêndice judicial do pelotão de execução da OTAN. Poder-se-ia dizer inclusive que os magistrados de Haia são como padres que, sem perder tempo a consolar a vítima, esmeram-se diretamente em legitimar e consagrar o verdugo.
Pequeno trecho do interessante artigo do filósofo italiano Domenico Losurdo sobre as guerras imperialistas hoje.